terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

OIBNLTIAR

Perder-se ou reencontrar-se? Não sei. Podem ser as duas coisas. Perder-se e reencontrar-se são as duas possibilidades de um labirinto. Não vejo meio termo. Ora perdemos. Ora reencontramos aquilo que perdemos. Ora descobrimos que não perdemos coisa alguma. Estava tudo lá, só espiando o nosso desespero.

Ficamos confusos num labirinto, refazemos caminhos, passamos pelos mesmos lugares e uma sensação de incompetência, ineficiência e perda de tempo toma conta da gente. Tudo parece igual. Tudo parece confuso e embaralhado, como o título deste texto.

imagem tirada da internet

Quando eu era criança, um dos meus passeios preferidos era visitar a Cidade das Crianças, que inclusive ainda existe. Meus pais levavam a mim e a minha irmã e nos divertíamos muito.

Numa destas vezes, um brinquedo me chamou a atenção: o labirinto. Meu pai, então, comprou os ingressos e fomos todos.

Ao entrar ali, cada um foi para um lado (meus pais, minha irmã e eu) e a brincadeira começou: cabeçadas nos espelhos, tropeços, risadas e certas aflições porque não conseguíamos nos reencontrar, muito menos acharmos a saída. Uma sensação divertida e aflitiva, ao mesmo tempo. Mas como a ideia lá era diversão, aquilo não me assustou.

Porém, muito próxima a mim, uma criança começou a chorar e a dizer que não queria “mais brincar”, “que queria sair dali”.

O responsável pelo local foi até a criança, pediu que se acalmasse, que seus pais já chegariam. E assim aconteceu.

O tempo passou. E quando se é criança, muitas reflexões ficam à espera de oportunidades para serem discutidas e debatidas. E com esta não seria diferente: durante muito tempo não pensei sobre isto. Mas com o passar do tempo e com a chegada da maturidade, estas experiências vão tomando forma e reivindicando o seu direito à expressão. Por isto, acredito, surgiu a ideia deste texto.

Fazendo um passeio pela História, vamos encontrar diversas informações sobre a origem dos labirintos. São, de fato, muito antigos, desde a época das cavernas. Segundo consta nos livros, o primeiro labirinto foi construído por um arquiteto grego chamado Dédalo, na ilha de Creta, a pedido do Rei Minos. Na Mitologia, este Rei queria prender, no labirinto, um monstro que levava o nome de Minotauro, cujo corpo era metade homem e metade touro. Todos que tentassem entrar no labirinto, morriam. Exceto Teseu, um jovem heroi que consegue escapar do labirinto graças a filha de Minos, Ariadne, que dá ao jovem um fio de lã de um novelo.

Fantasias à parte, a Mitologia é imprescindível para aguçarmos os nossos olhos e ouvidos e observarmos o que a vida quer e tem a nos dizer. Mas é preciso ter atenção.

Esta história nos mostra, acredito, que nem sempre terá alguém do lado de fora, no caso o labirinto, nos dando a mão ou um fio de lã. Vamos até torcer para que ele venha, mas ele não virá. Ou até terá uma mão do lado de fora tentando nos ajudar, mas como esta mão talvez não seja da filha do rei, talvez a entrada dela ou a ajuda dela não nos seja autorizada. E aí precisaremos buscar as saídas por nós mesmos. Mas e se chorarmos pedindo a presença de nossos pais lá dentro? Ficaria inconveniente, você não acha?

A palavra labirinto, do grego, “labyrinthos”, significa “prédio com passagens complicadas”. Também origina-se de “labrys”, ou seja, “machado de dois gumes”, sendo este machado o símbolo real de Creta, lugar cujo Mito aconteceu, como contei acima.

Este “prédio com passagens complicadas”, no decorrer da História, também foi a intenção dos criadores dos labirintos, cuja finalidade era atrapalhar o avanço de tropas inimigas, dificultar a fuga de alguém ou, até mesmo, esconder algum tesouro. Ou seja, os labirintos tinham uma razão de existirem. Arrisco a dizer que é assim até hoje. E conhecemos bem estes labirintos.

E sobre os nossos labirintos?

- aqueles nos quais nos colocamos sem querer ou por querer;

- aqueles nos quais nos colocamos para bucarmos perder algo, sem a mínima necessidade. Afinal, quando estamos perdidos alguém sempre toma conta da gente e facilita, bem, o nosso trabalho;

- aqueles nos quais nos colocamos por puro medo de nos reencontrar, de nos entregar aos nossos sonhos e à nossa essência;

- aqueles nos quais nos colocamos por achar que precisamos sofrer. A propósito, o sofrimento precisa ser vivido, ser falado, ser elaborado. Caso contrário ele se tornará uma angústia. Mas é preciso fazer tudo isto apenas quando ele chegar e não ficar procurando por ele a vida toda, certo? Como se a felicidade fosse uma afronta à nossa realidade e ao nosso merecimento.

Enfim, certamente cada um de nós tem uma história para contar a respeito.

O labirinto existe para deixar a nossa visão turva, nos atrapalhar no avançar, nos fazer não acreditar na gente. Este é o papel dele. Ele está ali para nos testar. Mas ao mesmo tempo, por causa do espelho, nos obriga a nos olhar. Não há como estar num labirinto e não se olhar. Mas para funcionar deverá ser um olhar sincero e não um olhar que seja produto de uma selfie. Este não conta. Afinal estamos sempre bem neste...

O labirinto existe para nos distanciar do objetivo. Ele é um excelente comparsa porque enquanto estivermos presos nele, teremos quem culpar por nossa inércia. Ele acolhe as nossas pequenezas. Mas ao mesmo tempo nos expõe e, no meio de tantos espelhos, não há como não nos incomodarmos com tantas evidências.

O labirinto está com a porta aberta, mas é preciso encontrá-la. Ou melhor, querer encontrá-la. É bom estar nele para que possamos, depois, ter um reencontro conosco. Só valorizamos o reencontro quando passamos pela experiência da perda ou quando, no mínimo, sabemos o que isto significa. Isto é a vida. Só sabemos o que é a felicidade, pelo menos um pouco, porque já estivemos infelizes em algum momento.

Os contrastes nos constroem e nos dizem quem verdadeiramente somos. Como falar da fome de barriga cheia?

Estar num labirinto é uma experiência libertadora porque sabemos que saíremos melhores. É preciso saber andar por todos os corredores de espelhos e viver aquela experiência. Mas também é preciso saber a hora de buscar a saída, a hora de dizer “não quero mais brincar disto”, como disse aquela criança, naquela dia.

Simone de Beauvoir, escritora francesa, brilhante em seus escritos, tem um pensamento que gostaria de compartilhar aqui, neste texto cheio de espelhos. O pensamento diz assim:

“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”

Penso que para atingirmos esta liberdade que tão lindamente Simone de Beauvoir coloca, somente se nos responsabilizarmos por nossos labirintos, segurarmos bem o ticket de entrada (porque ele será necessário), mas, ao estarmos lá dentro, já observarmos a seta indicando a saída. Sem pressa para sair de lá porque será preciso experimentar todo o labirinto e vivê-lo, mas por que ficar ali dentro mais tempo que o necessário? Viva, e quando achar que deve, saia. E saia rápido antes que alguém da fila te puxe para dentro, novamente.

A seta da saída existe. Ela está lá. Mas é preciso enxergá-la entre os espelhos. Procure-a.

A saída poderá estar na forma de um fio de lã ou escrita na parede, mesmo, que enxergaremos sozinhos por causa de nossa visão que foi limpa enquanto caminhávamos naqueles imensos corredores do labirinto. O caminho é exaustivo, mas a chegada é recompensadora.

Que todos nós possamos nos reencontrar por meio dos labirintos que a vida nos impõe. E nos reencontrando, reconheceremos, no nosso próximo, um merecedor de um pedaço de um fio de lã, mesmo que não sejamos a filha do Rei...