Perder-se ou reencontrar-se? Não sei. Podem ser as duas
coisas. Perder-se e reencontrar-se são as duas possibilidades de um labirinto. Não
vejo meio termo. Ora perdemos. Ora reencontramos aquilo que perdemos. Ora descobrimos
que não perdemos coisa alguma. Estava tudo lá, só espiando o nosso desespero.
Ficamos confusos num labirinto, refazemos caminhos,
passamos pelos mesmos lugares e uma sensação de incompetência, ineficiência e
perda de tempo toma conta da gente. Tudo parece igual. Tudo parece confuso e
embaralhado, como o título deste texto.
imagem tirada da internet
Quando eu era criança, um dos meus passeios preferidos
era visitar a Cidade das Crianças, que inclusive ainda existe. Meus pais
levavam a mim e a minha irmã e nos divertíamos muito.
Numa destas vezes, um brinquedo me chamou a atenção: o
labirinto. Meu pai, então, comprou os ingressos e fomos todos.
Ao entrar ali, cada um foi para um lado (meus pais,
minha irmã e eu) e a brincadeira começou: cabeçadas nos espelhos, tropeços,
risadas e certas aflições porque não conseguíamos nos reencontrar, muito menos
acharmos a saída. Uma sensação divertida e aflitiva, ao mesmo tempo. Mas como a
ideia lá era diversão, aquilo não me assustou.
Porém, muito próxima a mim, uma criança começou a chorar
e a dizer que não queria “mais brincar”, “que queria sair dali”.
O responsável pelo local foi até a criança, pediu que
se acalmasse, que seus pais já chegariam. E assim aconteceu.
O tempo passou. E quando se é criança, muitas reflexões
ficam à espera de oportunidades para serem discutidas e debatidas. E com esta
não seria diferente: durante muito tempo não pensei sobre isto. Mas com o passar
do tempo e com a chegada da maturidade, estas experiências vão tomando forma e
reivindicando o seu direito à expressão. Por isto, acredito, surgiu a ideia
deste texto.
Fazendo um passeio pela História, vamos encontrar
diversas informações sobre a origem dos labirintos. São, de fato, muito
antigos, desde a época das cavernas. Segundo consta nos livros, o primeiro
labirinto foi construído por um arquiteto grego chamado Dédalo, na ilha de
Creta, a pedido do Rei Minos. Na Mitologia, este Rei queria prender, no
labirinto, um monstro que levava o nome de Minotauro, cujo corpo era metade
homem e metade touro. Todos que tentassem entrar no labirinto, morriam. Exceto
Teseu, um jovem heroi que consegue escapar do labirinto graças a filha de
Minos, Ariadne, que dá ao jovem um fio de lã de um novelo.
Fantasias à parte, a Mitologia é imprescindível para
aguçarmos os nossos olhos e ouvidos e observarmos o que a vida quer e tem a nos
dizer. Mas é preciso ter atenção.
Esta história nos mostra, acredito, que nem sempre terá
alguém do lado de fora, no caso o labirinto, nos dando a mão ou um fio de lã. Vamos até torcer para que ele
venha, mas ele não virá. Ou até terá uma mão do lado de fora tentando nos
ajudar, mas como esta mão talvez não seja da filha do rei, talvez a entrada dela ou a ajuda dela não nos seja
autorizada. E aí precisaremos buscar as saídas por nós mesmos. Mas e se
chorarmos pedindo a presença de nossos
pais lá dentro? Ficaria inconveniente, você não acha?
A palavra labirinto, do grego, “labyrinthos”, significa
“prédio com passagens complicadas”. Também origina-se de “labrys”, ou seja,
“machado de dois gumes”, sendo este machado o símbolo real de Creta, lugar cujo
Mito aconteceu, como contei acima.
Este “prédio com passagens complicadas”, no decorrer da
História, também foi a intenção dos criadores dos labirintos, cuja finalidade
era atrapalhar o avanço de tropas inimigas, dificultar a fuga de alguém ou, até
mesmo, esconder algum tesouro. Ou seja, os labirintos tinham uma razão de
existirem. Arrisco a dizer que é assim até hoje. E conhecemos bem estes
labirintos.
E sobre os nossos labirintos?
- aqueles nos quais nos
colocamos sem querer ou por querer;
- aqueles nos quais nos
colocamos para bucarmos perder algo, sem a mínima necessidade. Afinal, quando
estamos perdidos alguém sempre toma conta da gente e facilita, bem, o nosso
trabalho;
- aqueles nos quais nos
colocamos por puro medo de nos reencontrar, de nos entregar aos nossos sonhos e
à nossa essência;
- aqueles nos quais nos
colocamos por achar que precisamos sofrer. A propósito, o sofrimento precisa
ser vivido, ser falado, ser elaborado. Caso contrário ele se tornará uma
angústia. Mas é preciso fazer tudo isto apenas quando ele chegar e não ficar
procurando por ele a vida toda, certo? Como se a felicidade fosse uma afronta à
nossa realidade e ao nosso merecimento.
Enfim, certamente cada um de nós tem uma história para
contar a respeito.
O labirinto existe para deixar a nossa visão turva, nos
atrapalhar no avançar, nos fazer não acreditar na gente. Este é o papel dele.
Ele está ali para nos testar. Mas ao mesmo tempo, por causa do espelho, nos
obriga a nos olhar. Não há como estar num labirinto e não se olhar. Mas para
funcionar deverá ser um olhar sincero e não um olhar que seja produto de uma selfie. Este não conta. Afinal estamos
sempre bem neste...
O labirinto existe para nos distanciar do objetivo. Ele
é um excelente comparsa porque enquanto estivermos presos nele, teremos quem
culpar por nossa inércia. Ele acolhe as nossas pequenezas. Mas ao mesmo tempo
nos expõe e, no meio de tantos espelhos, não há como não nos incomodarmos com
tantas evidências.
O labirinto está com a porta aberta, mas é preciso
encontrá-la. Ou melhor, querer
encontrá-la. É bom estar nele para que possamos, depois, ter um reencontro
conosco. Só valorizamos o reencontro quando passamos pela experiência da perda
ou quando, no mínimo, sabemos o que isto significa. Isto é a vida. Só sabemos o
que é a felicidade, pelo menos um pouco, porque já estivemos infelizes em algum
momento.
Os contrastes nos constroem e nos dizem quem verdadeiramente
somos. Como falar da fome de barriga cheia?
Estar num labirinto é uma experiência libertadora
porque sabemos que saíremos melhores. É preciso saber andar por todos os
corredores de espelhos e viver aquela experiência. Mas também é preciso saber a
hora de buscar a saída, a hora de dizer “não quero mais brincar disto”, como
disse aquela criança, naquela dia.
Simone de
Beauvoir,
escritora francesa, brilhante em seus escritos, tem um pensamento que gostaria
de compartilhar aqui, neste texto cheio de espelhos. O pensamento diz assim:
“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos
sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”
Penso que para atingirmos esta liberdade que tão
lindamente Simone de Beauvoir coloca,
somente se nos responsabilizarmos por nossos labirintos, segurarmos bem o ticket de entrada (porque ele será
necessário), mas, ao estarmos lá dentro, já observarmos a seta indicando a
saída. Sem pressa para sair de lá porque será preciso experimentar todo o
labirinto e vivê-lo, mas por que ficar ali dentro mais tempo que o necessário? Viva,
e quando achar que deve, saia. E saia rápido antes que alguém da fila te puxe
para dentro, novamente.
A seta da saída existe. Ela está lá. Mas é preciso
enxergá-la entre os espelhos. Procure-a.
A saída poderá estar na forma de um fio de lã ou
escrita na parede, mesmo, que enxergaremos sozinhos por causa de nossa visão
que foi limpa enquanto caminhávamos naqueles imensos corredores do labirinto. O
caminho é exaustivo, mas a chegada é recompensadora.
Que todos nós possamos nos reencontrar por meio dos
labirintos que a vida nos impõe. E nos reencontrando, reconheceremos, no nosso
próximo, um merecedor de um pedaço de um fio de lã, mesmo que não sejamos a filha do Rei...