domingo, 24 de novembro de 2019

Os Deuses vendem quando dão

No livro Discurso da Servidão Voluntária, do escritor francês do século XVI, Étienne de La Boétie, há uma passagem indigesta que diz:

“o teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores, os animais ferozes, as medalhas, os quadros e outras drogas semelhantes eram para os povos antigos a isca de servidão, o preço de sua liberdade, os instrumentos da tirania. Os tiranos antigos empregavam esses meios, essas práticas, esses atrativos para entorpecer seus súditos sob o jugo. Assim os povos, embrutecidos, achando belos esses passatempos, entretidos por um prazer vão que passava rapidamente diante de seus olhos, acostumavam-se a servir tão ingenuamente, e até pior, quanto as criancinhas que aprendem a ler vendo as imagens brilhantes dos livros coloridos.”

Ainda mais a frente, no livro, Étienne de La Boétie, continua:

“os tiranos distribuíam em profusão um quarto de trigo, uma medida de vinho e uma moeda de menor valor, e então dava dó ouvir gritar: ‘Viva o Rei!’ Os imbecis não percebiam que recuperavam apenas parte do que era seu, e que mesmo a parte que recuperavam, o tirano não poderia dar-lhes se, antes, não a tivesse tirado deles mesmos. Não penseis que um pássaro caia mais facilmente no laço ou um peixe, por gulodice, morda mais cedo o anzol, que todos esses povos que se deixam atrair prontamente pela servidão, pela menor doçura que os façam provar. É realmente assombroso ver como nos deixamos ir tão rapidamente ao menor afago que nos é dispensado.”

Destaquei esses dois trechos porque são atemporais. Apesar de eles terem sido escritos há tanto tempo, ainda fazem eco, em nós.

Quem é o tirano que tiraniza o povo, conforme o autor? Quem é o povo tiranizado? Somos nós. Somos o tirano que tiraniza. Somos o povo tiranizado.

Por mais duro que possa parecer, é preciso compreender que nada, absolutamente nada, nos é dado sem que algo nos seja tirado. Não se trata de uma posição pessimista sobre a vida, mas o contrário: por desconsiderarmos o caráter trágico da existência humana (problemas, angústias, medos, traumas, tristezas, vaidades, orgulho, dores, dificuldade de relacionamento), por nos alienarmos acerca de quem somos, nos distanciamos de nós mesmos. E nos distanciando, permitimos a nossa marginalização e nossa submissão desmedida. E é aí, exatamente aí, que os tiranos atuam. Eles já perceberam o nosso medo, a nossa vaidade, as nossas necessidades. E de posse destes preciosos conhecimentos, nos dão aquilo que vão nos entorpecer, nos adormecer, nos calar, nos tirar de cena, nos alienar. E nos alienando, não percebemos o quão usados e marginalizados estamos sendo. Ora somos nós, esses tiranos. Ora são os outros, a quem nos submetemos.

Quando consideramos o caráter trágico da nossa existência como parte inerente a nós, de forma madura e consciente, sem que isto nos faça nos tornar descrentes da vida, essa tirania até existirá, mas teremos mais domínio sobre ela, e, portanto, seremos menos suscetíveis aos estragos que ela provoca porque teremos um pouco mais de domínio sobre esta subjugação.

Obviamente, não podemos fazer apenas aquilo de que gostamos, ter a companhia apenas de pessoas agradáveis e trabalhar, apenas, com quem queremos. Nossa insubordinação não chegaria a tanto. Mas a reflexão que proponho, por meio deste texto, é a de que, por nos desconhecermos, por nos afastarmos de nós, por termos comprado a ideia de que a vida tem a obrigação de ser uma sucessão de felicidades para nós, isto tudo causou e tem causado, em nossas vidas, uma alienação. E esta alienação agrava a fragilidade que há, em nós. E o que faz uma pessoa alienada e subjugada? Torna-se manipulável, adestrável. E o pior: adestrada, não vê mais necessidade na pergunta, no pensar, na construção. Aceita o que vem. O que dão a ela. E ainda fica feliz com isso. “Viva o Rei!”

A questão não é saber as respostas. Mas o que perguntar. E só faz perguntas quem não grita “Viva o Rei!” Perguntar custa, dá trabalho e recusa moedas, medalhas e um quarto de trigo.

Dando “Viva ao Rei!”, nos tornamos contornados e contornáveis pelos riscos dos outros. Formamo-nos em fôrmas alheias. Ficamos em filas erradas. Percorremos os sonhos dos outros. Aceitamos o jugo. Passamos a buscar respostas prontas, receitas, fórmulas e nos tornamos fãs de pensamentos vazios, de frases feitas e de velhas metodologias que, apesar de nunca terem funcionado, agora surgem com outros nomes e, de preferência, em inglês, o que nos faz acreditar ainda mais. Como não pensamos tanto, porque isso é cansativo e dá trabalho, acreditamos naquele que se diz pensar por nós, e que sempre quer nos vender algo que nos projetará para o primeiro da fila. Realmente corremos ao menor afago.

Empresas espalham mesas de sinuca pelos corredores. Outras possuem salas com paredes rabiscáveis, poltronas confortáveis e coloridas e pufes espalhados pelo chão. Em outros lugares de trabalho, massagens são oferecidas na hora do almoço. Ainda em outras, academias modernas prometem resultados quase imediatos, em quinze minutos, na hora do almoço (do seu e do meu). Ambientes sendo redesenhados e vendidos como modernos, ágeis, descontraídos, informais. Alguns entendidos sobre o assunto dizem que isto traz mais agilidade, criatividade e resultado. O famoso conceito Work&Play! (trabalhe e divirta-se!)

Os Deuses vendem quando dão. A lógica grega, tão antiga e trazida por Étienne, novamente ganha espaço, visibilidade e aceitação, entre nós. O nosso quarto de trigo.

Uma academia eficiente para que eu não adoeça e, assim, entregue mais. Uma mesa de sinuca para que eu grite “Viva o Rei!” e ainda diga, “como trabalhar aqui é divertido”! Salas lindas com paredes e pufes coloridos para que as grades reais passem ilesas. Massagens durante o almoço para que eu não perceba o peso do meu jugo. Assédios morais disfarçados de assertividade. Competição desmedida camuflada de incentivo. Métodos de avaliação subjetivos que medem o número de hoje, e não a minha trajetória. Aliás, o que importa a trajetória na sociedade que endeusa o discurso de elevador? A mesma uniformização criticada por Étienne, há tanto tempo, evidenciada na mesma alienação de hoje.

Os deuses vendem quando dão. Enquanto achamos que estamos ganhando, estamos vendendo. Esta é a lógica que há. Enquanto acho que estou ganhando por ter academia no trabalho, vendo minha saúde para eles. E eles compram. Compram nos dando mais do trigo, mais dos jogos, mais das medalhas, mais das farsas, mais dos espetáculos. “Viva o Rei!”

Há sempre um jeito novo, com verniz diferente, para não percebermos o que nos estão tirando. E vice-versa.

Não há almoço de graça, já disse alguém. O que há é a nossa não percepção do que estamos vendendo em prol de um suposto ganho. Vendemos e não ganhamos. Numa empresa recordista de likes, há videogames, pebolim e mesas de sinuca disponíveis aos colaboradores. E tudo isto sendo visto como atrativos. Atrativos de quê, exatamente? Da compra do nosso intelecto, da compra do nosso silêncio, da compra da nossa ausência de perguntas. Em uma outra empresa, as paredes são grafitadas e isto é vendido como “um lugar superlegal e estimulante de se trabalhar”. Em uma outra empresa (multinacional e de expressiva representatividade no mundo), há um tobogã no meio do escritório. E quem quiser se aventurar, cairá sobre uma mesa de sinuca (!). Em outras, os ambientes foram inspirados no Vale do Silício. Quando vamos entender que aqui não é o Vale do Silício? Vamos aprender com os outros, mas sem querermos ser os outros. Pode ser? São muitos os exemplos. Em outra Empresa, redes dividem o espaço, bonecos para treinos de artes marciais e mural dos sonhos.

Como nos aquece um quarto de trigo, uma medida de vinho e uma moeda de menor valor. Quem será que sente dó da gente ao nos ouvir dizer: “Viva o Rei?”

Vendemos por tão pouco o nosso intelecto. Acreditamos que nos dão, no entanto vendemos e nem percebemos. Iscas que nos dão e, ingenuamente, caímos. Nem os peixes são tão omissos e ingênuos, assim. Não mordem as iscas facilmente. Morrem, mas não antes sem lutarem. E nós?

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento ácido de Shakespeare, que diz: “O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém.”

Portanto, desconfie. Questione. Pense. Ninguém é bonzinho e fraterno ao ponto de fazer tudo pelo nosso bem-estar! Como somos bons. Os deuses realmente vendem quando dão.

Não digo que nos libertaremos dos tiranos que há, em nós, e também não digo que nos libertaremos deles, da ação deles sobre nós. Ainda é uma relação conflituosa. Não podemos ainda nos libertar. A autonomia e liberdade ainda são valores incompletos, cuja vivência ainda não podemos desfrutar. Mas, insisto e peço desculpas pela redundância: se considerarmos a dimensão trágica que há em nós, esta dimensão que é capaz de nos elucidar, de nos clarear, de nos acordar, de nos fazer abrir as portas para, finalmente, ouvirmos o que a tristeza, a angústia e o medo querem nos dizer antes de entrarmos na primeira farmácia que encontrarmos, teremos mais controle sobre o jugo imposto a nós, teremos mais domínio sobre o porquê do pouco trigo que nos for oferecido. Se buscarmos conhecer e viver a nossa dimensão trágica, em companhia de nossas outras dimensões, os tiranos perderão acesso as nossas linhas, perderão o acesso ao inabitado, em nós. Perceberemos as reais intenções e o verniz disfarçado que colocam sobre as festas e farsas que fazem para nós. Conseguiremos construir um certo distanciamento deles, necessário para vivermos até ser possível nos desvencilharmos deles. Mesmo que ainda seja necessário conviver e nos submeter a eles, que seja de olhos abertos, lúcidos, precavidos, prevenidos e cientes da linha que nos divide.

Com esta linha bem dividida, certamente, as mesas de sinuca e as redes ficarão às moscas. Não as frequentaremos mais. Os massagistas perderão seus postos. Os pufes ficarão vazios. O tobogã enferrujará e as paredes coloridas da moda, ah...as paredes, nelas escreveremos:

“Aqui jaz, um dia, o que foi “Viva o Rei!”

domingo, 10 de novembro de 2019

Santos e Sãos

Clarice Lispector, na obra “A Hora da Estrela”, nos provoca dizendo:

“quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar ‘quem sou eu’ cairia estatelada e em cheio, no chão. É que ‘quem sou eu?’ provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.”

Uma das características da obra de Clarice é a ironia. Uma ironia que incomoda e constrange por ser verdadeira. Essa moça, a quem Clarice se refere, é a protagonista do livro, mas poderia ser qualquer um de nós. Macabeia, a personagem, nos oferece inúmeras chances de discutirmos o que vai em nós e, principalmente, o que deveria ir em nós. Uma destas chances que a personagem nos oferece, por exemplo, é a ausência de perguntas. A personagem faz poucas perguntas. Poucas porque não possui acesso a mais perguntas. Não sabe o que perguntar, para quem e para quê perguntar. Por isso, o morno e o despercebido são estados desta personagem que ia se conhecendo por causa “do seu viver à toa”. Ela era quase uma estrangeria na própria terra.

Fazer perguntas cria necessidades, diz Clarice. No caso da personagem, ela não sabia o que perguntar e nem para quê. Uma inocência perdoada. Uma ignorância respaldada na própria ausência de vida na qual vivia Macabeia. A personagem está perdoada. Assumia-se como uma pessoa inapropriada. E quando se assume isso, não há perguntas, realmente, a serem feitas.

Mas e quanto a nós? Não estamos no livro de Clarice, não somos Macabeia. Mas por que, então, não fazemos perguntas? Não me refiro às perguntas que fazemos aos outros, porque estas fazemos. Mas por que não fazemos perguntas para nós?

Perguntar significa assumir que há perguntas a serem feitas. Ocupar um lugar de aprendiz.
Perguntar significa assumir que não tem a resposta. Reencontrar-se com a própria incompletude.
Perguntar significa dizer que não sabe. Correr riscos de ser exposto.
Perguntar significa não receber. Aceitar as imagens tortas do espelho e escancarar as próprias necessidades.
Quando não perguntamos, assumimos a nossa falência anunciada. Ocupamos um lugar de santidade que não temos. Sentamos num lugar de sanidade que ainda não conquistamos. Quando não perguntamos, assumimos o nosso descaso para com a dúvida. A certeza embrutece. A certeza absoluta encerra e finaliza os nossos passos e o nosso diálogo com a vida. Uma certa conivência com aquele que nos vende soluções prontas para algo que nem inventado foi. Humildade, realmente, é algo cujo conceito desconhecemos. O humilde começa no a partir, no início. Mas como reconhecer que há a partir e inícios se conhecemos todos os finais? Pobre que somos!

A dúvida ajuda a levantar os nossos pés do chão. A ausência de perguntas nos reduz. Acharmos que fugir das perguntas nos isentará da necessidade é o auge da arrogância. Ingenuidade nossa acharmos que a vida daria tantas pistas fáceis, assim. A vida não teria esta linearidade escancarada. Ela possui inteligência. Chegou antes da gente. Bem antes.

Qual tem sido a nossa escolha?

Um olhar por cima, sem encostar por medo de contaminação: este é o olhar de quem não faz perguntas porque não quer e não tem dúvidas. Daquele que não tem necessidades. Uma ironia, pois, o que mais temos são perguntas, dúvidas e necessidades. Mas onde elas estão?

Assumir nossas perguntas, dúvidas e, consequentemente, criar necessidades é sinônimo de uma convivência que nos obrigará a ouvir o hóspede que vai em nós. Um hóspede estrangeiro, intruso, mas que vai se acomodando até saber todas as regras e dinâmicas da nossa casa.

Um olhar manso, discreto e próximo: este é o olhar daquele que tem dúvidas. Daquele que pergunta. Uma verdade, mas uma verdade envergonhada que se envergonha de se mostrar.

Quando perguntamos dizemos, automaticamente, que não sabemos. Mas quando não perguntamos, dizemos que o mundo é pequeno demais para nós. Nossa antiga e arraigada mania de grandeza nos conduzindo às margens, da vida.

Onde estão os doentes? Somos todos Santos e Sãos. Onde estão os doentes? Há tempos não temos notícias deles. Os Santos das redes sociais, os Sãos do dia a dia. Onde estão todos? Nossas arestas estão à mostra, mas as escondemos sob nossos tecidos puídos. A Macabeia, de Clarice, tinha um álibi: a ausência de vida dentro dela. Mas e sobre nós? De onde vem a nossa indiferença pela pergunta? Clarice já nos respondeu: ela cria necessidades. E todo aquele que pergunta é um incompleto. Para quê perguntar, então? Não quero que me vejam assim, “cheio de necessidades, ridículo, absurdo, enrolado e com os meus pés, publicamente, nos tapetes das etiquetas”, como nos disse Fernando Pessoa, no Poema em Linha Reta.

Quanto mais perguntas fazemos, mais necessidades vamos encontrando em nós. Somos incompletos porque perguntamos. Mas quem faz perguntas, ainda hoje, além de Clarice e de Fernando Pessoa? Escritores melancólicos, depressivos e ultrapassados, disse, certa vez, alguém. Triste que somos. Temos a pequenez de reduzir a obra alheia quando, por limitação nossa, não a compreendemos. Um clássico da arrogância humana. Mas Clarice e Pessoa estão ocupados demais fazendo perguntas, sem tempo de se ocuparem com estes miúdos.

Os nossos contornos nos constroem, e os nossos avessos, muitas vezes, não podem ser vistos, mas existem. É preciso revisitar as nossas construções e reinterpretá-las. Este exercício talvez seja uma de nossas garantias de nos reencontrarmos. Vestimos máscaras de santos e de sãos. E, hoje, com o palco aberto pelas redes sociais, o que não faltam são convites explícitos para o visitarmos e mostrarmos toda a nossa santidade e sanidade. Pobre que somos!

Onde estão os doentes?

Ainda no Poema em linha reta, Fernando Pessoa, continua:

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo...toda a gente que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho...quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse uma infâmia...não, são todos o Ideal...Arre, estou farto de semideuses...”

Somos os deuses das redes sociais. Somos os semideuses de Pessoa. Somos os que dão certo em tudo, os sãos que tudo sabem. Os Santos que nada fizeram de mal. Os Santos isentos. Somos vidas perfeitas porque somos perfeitos. Nunca lemos uma bula porque não precisamos.

Por que o nosso arco-íris tem cores a mais do que o da natureza? Por que queremos dar uma aparência de virtude para tudo o que fazemos? Perguntas criam necessidades, disse Clarice. Sábia. Macabeia não fez perguntas. Mas ela tinha álibis, já disse. E a gente? Acho que a chuva nos pegou de surpresa. Estamos buscando abrigos. E as redes sociais são uma forma de abrigo para escondermos as nossas necessidades, as reais. Mas e na hora em que a chuva passar?

Nossas redes sociais são um palco de virtudes que envergonharia qualquer peça perfeita encenada na Broadway. Não há perguntas nestas redes, neste palco. Somente demonstrações perfeitas porque somos os Sãos e os Santos. Somos os Santos das Redes. Somos os Sãos da Vida. Os doentes vagam. Escondidos. Onde estão os doentes?

Somos extremados. É preciso desconfiar, portanto, de nós. Uma pena. Cegos que somos. Publicamos vitórias e conquistas. Saímos dos nossos empregos sempre com a mesma desculpa esfarrapada de “busca por outros desafios” e nunca porque estávamos infelizes, tristes ou porque fomos demitidos, mesmo. Sempre aquela nossa viagem à Europa foi um sucesso, sempre luzes, nunca nos lembramos de que parcelamos esta mesma viagem em 24 vezes, no cartão, porque nossa realidade, talvez, não permitisse esta viagem. Mas como não fazemos perguntas, as necessidades crescem sobre e sob nós. “Arrastamos cadáveres e acordamos fantasmas”, disse o escritor. Outro sábio que faz perguntas.

Não perguntamos porque achamos que isto evita o contato com o sofrimento, com a nossa necessidade. Mas isto não é verdade. Necessidade é uma realidade, em nós. Não podemos pará-la. A nossa marca deveria ser a pergunta, não a fuga dela. As certezas absolutas nos farão desaparecer. As dúvidas nos trarão de volta. É preciso nos desarmar da obrigação de santidade e de sanidade que criamos. Aonde estão os doentes?

Criamos movimentos desnecessários, mas não criamos os necessários. Damos palpite sobre tudo, o ‘eu acho’ viralizou e a dúvida é coisa do passado. Somos os Santos das Redes, os Sãos que estão no palco. O lugar aonde mais combina conosco. Aonde estão os doentes?

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento ácido de Montaigne, escritor francês do século XVI, que diz:

“no mais alto trono do mundo, o homem senta-se com o traseiro.”

Uma sátira dos que se intitulam Sãos e Santos, ou seja, nós. O nosso palco, as redes, são uma espécie de trono que criamos para nos dizer Deuses e Santos e perfeitos e de vidas perfeitas. Cansativos que somos. Um trono inexistente, irreal e que reflete o nosso ressentimento por não sermos, assim, tão perfeitos. O trono é irreal, mas parece que só a gente não vê. No entanto, a forma como estamos sentados, esta sim, é real. Bem real. Uma pena que abrimos mão de perguntas para descobrirmos isso. Mas perguntas criam necessidades, disse Clarice, e quem se indaga é um incompleto. Grande Clarice. Ela, pelo menos, reconhece o ser incompleto que era porque não estava nos palcos falsos da vida, mas na vida, em si. Grande Clarice. Sua aridez e lucidez fazem falta. Muita falta.

Acho que somos todos bem-vindos, nesta vida, inclusive nas redes sociais. Mas apenas se for habitada por humanos reais, e não estereotipados. Que a nossa devoção não seja para o irreal, mas para o real que vai, em nós: nossas dores, tristezas, angústias, alegrias e conquistas. Não somos Santos. Não somos Sãos. Somos, apenas, humanos. E se assim formos, desconfio que abandonaremos o peso dos cadáveres, como disse o escritor, e os nossos fantasmas acordarão não para nos assustar, mas para nos cumprimentar e nos agradecer porque, finalmente, eles estarão livres. Livres de nós. Porque, até eles, fazem perguntas.

sábado, 12 de outubro de 2019

Andar com fé

Hoje, para quem é católico, comemora-se o dia da Padroeira do Brasil: Nossa Senhora de Aparecida. Um dia de procissões, de missas, de encontros, de pagamentos de promessas, de romarias, de cantos. Um dia. Mas, e os outros dias? E nos outros dias?

Uma senhora, pela televisão, chora ao dar um depoimento sobre a cura recebida por intermédio de Nossa Senhora. Lindo e emocionante. Um depoimento de fé. Não de uma religião. Fiquei observando a matéria que a televisão transmitia e inúmeros eram os depoimentos, de diversas naturezas. Pessoas caminhando quilômetros a pé, longas distâncias, em direção ao interior de São Paulo, onde está o Santuário de Nossa Senhora.

Pessoas a caminho do Santuário ou não. Pessoas andando, ajoelhadas ou não. O ritual não importa. Não é sobre o andar, literal, que falavam aquelas pessoas, mas sobre fé, muito além de religião. Um andar moral, um caminhar dentro de si próprio.

Independentemente da religião de cada um de nós, se é que a temos, todos os cultos, rituais, abordagens, mensagens, práticas de todas as religiões devem ser respeitados. Frequentamos lugares e participamos de grupos cujos caminhos nos chamam. E é preciso respeito nisto. Somos de uma determinada religião porque assim nos sentimos bem. Encontramos, de certa forma, as respostas que buscamos para as nossas aflições. Um conforto. E isso não pode ser posto em discussão. Cada religião demonstra uma rota. Algumas delas se esbarram umas nas outras, outras se complementam, algumas se contradizem, outras se confrontam, incluem, excluem. E cabe a cada um de nós, caso assim faça sentido, nos integrarmos a elas, ou não.

Mas não é sobre religião que quero falar, porque falar sobre religião é como se eu inferisse sobre a crença do outro. E isto seria desrespeitoso. Mas sobre fé, que é algo bem diferente.

Religiões nos religam, nos conectam. Fé nos movimenta. Religiões são estáticas. Fé é dinâmica. Religiões possuem lindos e emocionantes rituais. Fé os traduz. Religiões nos pedem para ajoelharmos durante a fala do padre. Fé nos ensina que ajoelharmos será eterno exercício de humildade. Religiões dizem. Fé faz. Religiões leem textos sagrados. Fé nos convida a vivê-los. Religião é conforto e resposta. Fé é a mão estendida dizendo: “pode vir, estou com você”.

Religião é algo externo, cuja escolha, feita por nós, vai ao encontro do que buscamos, seja no culto, na missa, na vigília, ou em outra prática. Fé nos move para além do horário da missa e da palestra do orador, no culto. Fé nos move além do ajoelhar-se, porque assim o padre mandou. Fé nos conduz além do sinal da cruz metódico e automático, enquanto comentamos a roupa da pessoa sentada a nossa frente, durante a vigília. Leva-nos além da fila que pegamos para comungarmos, enquanto nos incomodamos com aquele senhor que furou a mesma fila. Religião sugere rituais para possíveis domesticações. Fé sugere reflexão sobre estes rituais e, se assim fizerem sentido para nós, os praticarmos. Belos e importantes rituais somente serão dignos se assim fizerem sentido para nós, se assim trouxerem valor para as nossas vidas. E isto exige reflexão, crescimento de nossa parte para que tenhamos tamanho para alcançarmos o real significado das coisas.

Presenciei, uma vez, uma pessoa fazendo o sinal da cruz com uma mão e com a outra olhava mensagens, no celular. O sinal da cruz, um lindo ritual, qual valor teve naquele momento? Esta é a reflexão. Se fazer o sinal da cruz é valoroso para nós, que a gente faça o sinal da cruz, mas verdadeiramente e ciente sobre o que aquele símbolo representa. Isto é fé. Em outro momento, sentada num banco de uma igreja, uma senhora chorava. Muito. Como não percebeu a minha presença, começou a conversar com Deus, em voz alta. E pude ouvir a oração: “Senhor, que eu veja por meio dos seus olhos, e não por meio dos meus.” Sem se ajoelhar, sem fazer o sinal da cruz, sem beijar todos os santos, a mulher se levantou e saiu. Aquilo é fé. Mas, se mesmo assim, ela tivesse feito todos os rituais, ainda assim seria um ato de fé. Uma pessoa que estava ali, sabia o que fazia e com quem falava.

Religião e Fé: é possível ter fé sem religião? É possível ter religião sem fé? Duas faces da mesma moeda. Enquanto a religião teoriza a beleza e o encantamento do ritual, a fé nos ajuda a praticá-lo. Se assim conseguimos, penso ser isso o que chamamos equilíbrio e paz. Cada um trilha a busca pela própria paz, e este é um dos possíveis caminhos, acredito.

As religiões falam sobre a fé, mas somente nós poderemos exercê-la. Falam sobre possíveis caminhos para aliviar a nossa dor, mas somente nós poderemos arregaçar as mangas para encontrá-los. Elas comentam a palavra, mas somente nós podemos compreendê-la. Falam sobre o exercício da cidadania e do amor ao próximo. Mas somente a nós cabe saber o que, de verdade, isto significa. Falar sobre caridade, dentro de paredes de pedras, é simplificar demais a vida. Uma simplicidade que envergonha. Exercê-la após o término da missa é o aceno que a vida nos faz. Sermos cidadãos enquanto lemos o folheto, durante a missa, é humilhante. A cidadania começa quando conseguimos, de verdade, compreender o real sentido da hóstia e da comunhão, que, a propósito, acabamos de realizar, na missa.

Fomos à missa. Nossa missão está cumprida. Somos religiosos. Seguimos a roupagem que nos mandam vestir. Mas e as perguntas que a Fé nos fez?  Fé nos oferece um incômodo permanente de nos incomodar.

Aquela senhora da reportagem trouxe uma linda reflexão. Antes de ser uma religiosa, era uma pessoa de fé, que independe de religião. Aquela mulher possui uma relação com a fé, com Nossa Senhora. Fé, do latim fides, significa fidelidade a um modelo, um trabalhar, acima de tudo. Aquela mulher construiu uma fé, e isto requer trabalho. Muito trabalho. Ser uma pessoa de fé significa ir além dos rituais, que passam a ter significado real para as próprias vidas destas pessoas. Pessoas de fé constroem caminhos, trabalham, acreditam, agem. Como na linda letra e música de Gilberto Gil...

Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma faiá

Andar com fé, ou seja, para que haja fé, é preciso andar, caminhar. Não há milagres com braços parados por trabalhar. A fé precisa ser construída, não basta ajoelhar mecanicamente. É preciso ajoelhar verdadeiramente.

O sino soou. São dezesseis horas. A missa vai começar. Vamos? O que faremos depois? Que os rituais saiam do papel e ganhem vidas em nossas vidas. Eles nos pedem isto há tempos.

A letra da música de Gilberto Gil, Andar com Fé, composta em 1982, é atemporal e provocativa. A fé, realmente, não costuma faiá. Mas por que ele nos disse isso? Alguém está falhando, então? Sutilezas que somente a arte explica.

Quando criança, nas aulas de catecismo, fui reprovada em uma prova oral por não saber de cor, a oração da Salve-Rainha. O que faz alguém achar que uma criança de menos de 09 anos de idade devesse sabê-la? E de cor? Nem hoje, pessoa madura, sei esta oração de cor. Mas será preciso isto para se ter fé? “Volte para o seu lugar e estude direito”, foi o que eu ouvi. Voltei e estudei direito. Decorei a oração. Voltei a recitá-la. Agora completa. Fui aprovada. E no dia seguinte, já não me lembrava mais da oração. Tudo certo. O ritual foi seguido. Mas o que diz a Salve-Rainha, mesmo? O que esta oração significa? Hoje, adulta, sei. Sei porque fui buscar o sentido para aplicá-lo à minha vida. Não porque aprendi o sentido nas aulas de catecismo. A oração é linda, ainda bem que não guardei rancor da professora. Pobre coitada! Ainda se dizia cristã! Como somos inocentes no nosso mar de ignorância.

Ainda no catecismo, depois de decorar a Salve-Rainha, o padre entrou na nossa sala e nos disse que aprenderíamos a comungar. Mas antes, deveríamos nos confessar. “Confessar o quê?”, disse uma criança ao padre. (E depois dizem que as crianças de hoje é que são espertas). “Os seus pecados. Todos somos pecadores”, disse o padre. Pobre cristão aquele padre, também. Um homem comum, além do comum. Mas ele não sabia disto. Achava que podia falar em nome de um suposto Deus. Tão dentro de uma religião e, ao mesmo tempo, tão ausente do verdadeiro sentido.

Como aos nove anos de idade não se sabe muito a respeito de pecados, menti ao padre, na hora da minha confissão. Disse que havia brigado com a minha irmã. Menti apenas para cumprir uma ordem, um ritual. O padre, sem saber, me ensinou a dissimular, infelizmente. Ele acreditou em mim e me disse que nunca se briga com irmãos. Ao invés de me dizer o motivo de nunca se brigar com irmãos, desperdiçou a chance e me pediu para ir para o banco da igreja rezar 10 pais-nossos e 10 ave-marias. Foi o que eu fiz, de forma mecânica e culpada. Lembro-me de pensar: “o que significa Ave de Ave-Maria?”. Somente bem mais tarde fui saber que Ave significa “Salve”! Salve, aquele pobre padre. Quem precisaria se confessar, ali?

Sem ressentimentos. Fiz as pazes logo em seguida. Compreender certas coisas, na vida, e não criar embates traz imensos avanços. A religião e a igreja são representações das crenças do homem. É preciso, portanto, que a gente faça bom uso de toda esta beleza de conhecimento que nos é oferecida, sem ostentações, sem obrigações, sem vaidades, sem ditaduras.

Aprofundarmo-nos nas questões íntimas que vão em nós: se a religião, qualquer que seja ela, conseguir nos ajudar nisto, terá feito o principal papel que cabe a ela. Com ou sem rituais. A questão não é a religião, necessária, e nem os rituais, que são lindos e extremamente significativos, mas como os executamos, para quê e o porquê. De posse destas respostas, tudo volta ao equilíbrio. Nada há demais em se confessar, em comungar, em seguir rituais, desde que haja sentido e valor para quem os faz. Simples assim. Mais que simples rituais, é preciso que eles sejam, acima de tudo, propostas e respostas para a nossa vida.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de Carlos Drummond de Andrade, que diz: “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”

Isto é ter fé. Fé é ausência de motivos. Ela simplesmente é. Não importa se caminhamos tantos quilômetros a pé. Não importa, tanto, ver o caminho por meio dos nossos pés, mas sim os quilômetros caminhados por dentro de cada um de nós, mesmo sem os pés. Quando valorizarmos os quilômetros internos andados, sem atos mecânicos e externos, nossos pés reais, agora inchados, agora cansados e agora sujos das estradas passarão a fazer sentido e nos completar. E isto somente a fé poderá nos oferecer. Porque ela não costuma faiá. E não faia, mesmo!

terça-feira, 8 de outubro de 2019

A maçaneta da porta

Quem dera a porta se abrisse ao tocarmos a campainha, ao soprarmos a sineta. Mas a porta tem seus caprichos. Outros compromissos. É preciso esperar. Aguardar. Silenciar. A porta permanece fechada não porque nos ignora, mas porque não nos olha.

Não nos olha. Ou não queremos ser vistos?

Não sermos vistos é uma forma de viver. Não sermos vistos nos isenta de possíveis convocações de prestações de conta. Mais fácil viver apenas admirando os trens que passam na estação. Mas também aqueles que apenas os admiram, não vivem. E como não vivem, longe estão de desfrutarem o balanço dos trens sobre os trilhos, o cheiro do mato passando ao lado, o tilintar dos bancos, o ouvir do som das vozes dos outros e a experiência de ser um dos motivos de andar daqueles trens. Alguém pode dizer, “prefiro ficar na estação”, mas este será sempre alguém defronte de si próprio a procura de um lugar para ser seu. Um ambulante sem estrada, que migra tentando transportar a si. Um possível itinerante, um “talvez existido ou aquele que sempre vai ser o que não nasceu para isso”, como disse o genial Fernando Pessoa.

A porta continua fechada. Mas agora observamos que há uma maçaneta lá. E se a virássemos discretamente e abríssemos a porta? Talvez a distração de quem está dentro impediu o ouvir da campainha quando a tocamos. Então, para disfarçar, tocamos a campainha mais uma vez somente por educação, caso alguém esteja nos observando, da vizinhança. Indelicado já ir se apossando da maçaneta. Como sempre somos aquele quem deve esperar, a porta, absoluta, se nega outra vez para nós, e nos afronta com o limite imposto. Disfarçadamente, viramos a maçaneta para abri-la forçosamente, porque assim queremos, porque assim fazemos. Queremos e fazemos. Mas e o querer e o fazer da porta?

Que pena dá da gente algumas vezes. A porta nos humilha e dança na nossa frente nos dizendo: “você ainda não é bem-vindo aqui”. Eu te ouvi, mas parece que você não ouviu o que eu dizia: “volte depois, talvez amanhã, quiçá depois de amanhã.”

Acostumar-se às ordens de uma porta é trabalhar arduamente a nossa vaidade. Viramos a maçaneta porque não admitimos não sermos ouvidos pela campainha e nem atendidos pela porta. Queremos entrar, e de preferência, passar rapidamente pela cozinha e avançar para os cômodos mais nobres. A resposta nítida da porta não nos convence. Precisamos forçar a entrada. Forçamos. E aí somos despejados. Um despejo sem traquejo. Estamos vestidos e prontos e vivos. E despejados. A autossuficiência que pensamos possuir sempre conversa com abismos que nos rondam. É preciso atenção no caminhar.

Tudo o que nos consola também nos viola. Fomos vistos. A porta nos viu. Mas não abriu.

Ela nos viu. Por que não fomos convidados a entrar? Ela nos ouviu. Onde já se viu tamanho desencontrar? “Você sabe com quem está falando?”, dizemos à porta. Ela nos diz: “sim, sei sim, mais alguma informação?”. Humilhados, recuamos. De vez em quando, é importante conhecer o lugar ao qual temos direito. Costumamos pedir sempre um extra, mas a vida não pode ser sempre tão generosa.

Do lado de fora, gentilmente colocados, somos convidados a encontrar caminhos do nosso presente que nos conduzam para dentro da casa. É preciso entrar. Mas é preciso, também, pararmos de emitir comandos e exigências do topo, aonde sempre nos colocamos. Quando descemos do topo, a nossa visão recupera verdades e conquistamos o nosso direito de nos levantar para abrirmos as janelas que fechamos, cuidadosamente, porque alguém disse que viria uma chuva forte.

Ainda do lado de fora, nos damos conta da importância de cultivarmos a modéstia, tão ultrapassada e fora de moda. Disfarçamos modéstia e prosseguimos. Mas os fatos mostram o nosso disfarce. Por isso, agora, do lado de fora da porta, percebemos. Do lado de fora, percebemos nossa ansiedade porque forçamos a maçaneta. E a ansiedade nos coloca em lugares que ainda não chegaram. Ela te faz querer horas que o dia não tem, te faz chamar de lentos o sol e a lua, que juntos, fazem um imenso trabalho de acolher a todos, que somos nós. Ansiosos, sempre estamos lá e nunca no aqui.

O aqui nos levará ao lá. Por que não percebemos? Ansiosos, consertamos coisas que não precisariam ser consertadas. E outras, empoeiram e alimentam traças. Ansiosos, tiramos conclusões incríveis que envergonhariam aqueles que já abandonaram o caminho da ignorância. Ansiosos, discordamos do tempo. Pobres que somos!

Quando batemos, é preciso esperar. A maçaneta continua ali, parada. Mas agora, somos estranhos a ela. Não queremos mais forçá-la. A solidão nos fez bem. Solitários que somos, mas não nulos. O texto é sempre menos que o contexto. Mas sem texto, não há contexto. Sem o contexto, o texto é só, manco, viajante e solto pelo mundo. Sem o texto, o contexto perde o sentido. Texto somos nós, pequenas peças que se encaixam no todo; contexto, uma porta chamada vida. A solidão e a humilhação nos fizeram bem. Fomos despejados para lotes distantes das estradas, mas experimentar isso foi o que nos fez chegar a estas respostas.

Sem experiências não há respostas. Sem texto não há contexto. Seria desonesto varrer tudo isto para debaixo do tapete.

Esticamos as nossas pernas e nos levantamos. Passou-se muito tempo. É preciso nos acostumar a fazer longos percursos. Um caminho verdadeiro e de valor requer tempo. E tempo foi tudo o que mais tivemos. Tocamos a campainha mais uma vez. O som agora saiu um pouco mais fraco, talvez porque tenhamos colocado menos força. O tempo também nos ensina que a força raramente será a melhor saída. A melhor saída sempre será possuir a ferramenta certa para cada luta necessária. Nada mais humilhante do que saber que algo precisa ser feito e não termos a ferramenta adequada. Por isso fomos despejados e postos, delicadamente, para fora. Quisemos acelerar a nossa escalada, mas fomos obrigados a recuar.

Fomos ouvidos. A porta se abriu. Por completo. Ficamos felizes. Receosos se podemos entrar ou não, ouvimos: “entre, você é bem-vindo aqui. Se quiser, pode tirar os seus sapatos para ficar mais à vontade.” Como estranhos que somos, como estrangeiros que somos, como disse Clarice Lispector, aceitamos o convite e entramos. Esquecemos a sala e o escritório. Queremos, primeiro, conhecer os banheiros e a cozinha. Parece que agora percebemos que muito se aprende nestes lugares. Pedimos licença para entrar e para avançar. Aprendemos. Ouvimos um som forte. Olhamos para trás e observamos que a porta se fechou, mas agora, conosco dentro. Conquistamos o direito de ficar e ainda ganhamos cópia das chaves.

Encerramos o expediente. Descalços. Vestidos. Acordados. Na cozinha. Somos bem-vindos aos outros cômodos, também. Mas para ter acesso ao escritório, antes é preciso estagiar na cozinha e no banheiro. Apreender o que de lá vier. Pedir licença. Aguardar. Esperar. O tempo somente valoriza aquilo que foi construído com a ajuda dele, disse um grande Mestre. E caminhar pela casa leva tempo, muito tempo. Há um lugar de partida e é daí que se deve começar, sob pena de sermos, novamente, despejados.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma passagem de um poema de Fernando Pessoa, poeta atemporal e necessário, que diz:

“...como um ruído de chocalhos, para além da curva da estrada, os meus pensamentos são contentes...”

Penso que nossos chocalhos chiam porque nos chamam. Querem o nosso avanço. Querem nos mostrar o que há além da curva da estrada. Mas para tal, é preciso respeitar a casa, os cômodos, o atender de porta. E, acima de tudo, respeitar o silêncio da porta em não se abrir para nós. Somente de posse deste respeito, seremos convidados a entrar, novamente.

Saídos que fomos, despejados fomos também. Recompusemo-nos. De posse da chave, agora estamos dentro de casa, novamente. Se um dia fomos saídos e despejados foi porque gastamos por conta sem levarmos em conta que não podíamos fazer num faz de conta.

À espera que estávamos de a porta se abrir, ela se abriu. Entramos. E começamos a nos reconhecer na nossa casa, novamente. E começamos a reconhecer a nossa casa, novamente.

Estranhos que somos. Estrangeiros que somos todos e que sempre seremos. Mas agora estrangeiros reconhecidos na própria casa. Na nossa casa.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A felicidade desbotada

Desbotar é perder a vivacidade, a vida. Óbvio dizer que algo vivo pode se perder e desbotar. Perder a vida. Morrer. No entanto, exatamente, por ser óbvia, essa sutileza passa como uma leve brisa por nós. Enquanto a brisa está passando, provavelmente estamos verificando a última mensagem urgente que nos chegou. Por isso, não percebemos a brisa. Não há como fazermos duas coisas ao mesmo tempo. Podemos até tentar, mas uma sempre será prejudicada em detrimento da outra. Ou até mesmo as duas serão prejudicadas se tentarmos dividir a nossa atenção. Ou percebemos a brisa ou verificamos a mensagem. Parece claro qual tem sido a nossa escolha.

Não me refiro ao desbotamento da cor de uma peça de roupa, tampouco à cor do nosso tênis. Este é um desbotar natural de algo usado e que teve a utilidade concluída. Não há como algo material permanecer. A característica da matéria é a impermanência. Portanto, usamos e respeitamos o tempo concluído da peça. O desgaste natural faz parte daquele que foi usado.

Refiro-me a um desbotamento moral que cresce, em nós, a cada dia. Digo que cresce porque penso que ele sempre existiu e sempre fez parte de quem somos. A única diferença é que agora possuímos mais ferramentas que nos ajudam a dar visibilidade a este desbotamento moral, que faz questão de tirar, à força, a cor daquilo que quer viver, que quer existir.

imagem tirada da internet

Um destes desbotamentos morais que nos visita (ou nos revisita?) é o marcar de hora para a felicidade. A nossa triste insistência em obrigá-la a bater ponto em nossas vidas.

Um desbotar natural: de uma roupa usada, de um sapato velho, de uma cortina desgastada. Um desbotar certo, equilibrado e que constitui o que é. Um desbotar natural que vem do uso, da vida que se fez e que se faz. Um desbotar indiscutível.

Um desbotar provocado: de uma felicidade que deveria ser compreendida, buscada e conquistada. Um desbotar triste, desequilibrado, desviado e que não constitui porque não vê. Um desbotar que somente existe porque desbotamos, tiramos o viço e a cor ao não observarmos as regras da etiqueta, para a lavagem. Triste desbotar: a cor havia. Era só nos aprofundar naquele colorar da vida, naquele avivar, naquela aquarela a nosso favor.

Algo que perde a vivacidade por obra da natureza não virá na nossa fatura. Algo vivo que perdeu a vida por obra nossa, porque resolvemos alterar as cores da aquarela, será posto, delicadamente, na nossa fatura. Um desbotar provocado porque insistimos em habitar Terras que não temos ajudado a construir. Mas a vida insiste em nos convidar para uma construção de Terras nas quais podemos habitar. Quando aceitarmos este convite, nossas cores serão vivas, nossas aquarelas respeitadas e o desbotar será apenas um reservatório morto.

Forçamos a felicidade a nos preencher. Forçamos a felicidade a ser a nossa narrativa de vida. Ocupamos cada vez mais os espaços externos, e impomos a nossa voz ao outro para forçá-lo a acreditar que somos felizes o tempo todo. E vice-versa. Estamos sempre bem e felizes. Os risos e os sorrisos se proliferam feito bactérias tristes a procura de estatus.

Perseguimos a felicidade como um bem de consumo. Uma commodity. A felicidade não pode ser perseguida, mas conquistada. Ela é um trajeto, e não uma chegada. Nem sabemos, ao certo, o conceito dela, que dirá tê-la. Uma presunção que sempre existiu, penso, mas que hoje se exacerba porque temos um poderoso ferramental que nos permite mentir, fingir, fazer de conta. Enquanto dizemos aos outros que somos felizes o tempo todo, os outros acreditam porque também acham que acreditamos que eles são felizes o tempo todo. Uma retroalimentação doente, cega, que reafirma a desconexão com os nossos ciclos, com as nossas verdades, com a gente.

É genuíno buscarmos a felicidade. É genuína a nossa vontade de desejarmos a felicidade. Obrigá-la a fazer parte de nossas vidas é doentio. Forçá-la a fazer parte de nossos saraus é alienante, e nos distancia do caminho que há tempos nos desviamos. Buscar a felicidade, acreditar nela e saber que temos momentos de felicidade é reavivar as cores da nossa linda palheta, e não permitir o triste desbotar de algo que não nasceu para desbotar. Insistir na felicidade como obrigatória e como lugar no qual não estamos é acreditar que somos felizes o tempo todo, é apagar a nossa cansada palheta, e permitir o desbotamento daquilo que nasceu para o aprimorar das cores.

A felicidade é uma conquista. Não está à venda. Pelo menos ela não tem preço.

Se somos o tempo todo felizes, como insistimos em dizer nos palcos da vida, aonde desaguaremos a nossa fúria, a nossa ansiedade, a nossa frustração, a nossa tristeza, nossas neuroses, incongruências e desvios? E, principalmente, a quem delegar as nossas irrelevâncias? Somos irrelevantes, em certa medida. Por isso, insistimos na falsa existência de uma suposta felicidade. Uma felicidade arredia. Cansada. Desbotada.

Por que a tristeza precisa ser disfarçada? Por que perdemos esta dimensão trágica da vida? Obviamente que a vida possui outras dimensões, mas imprescindível aceitar a tristeza como constituinte de quem somos.  Por que o trágico não pode conjugar mais no nosso espaço?

Somos todos felizes. Somos todos sorrisos e realizações. Somos todos plenos e resilientes. A felicidade é uma constante em nossas vidas. Somos felizes no trabalho. Nossos problemas têm solução. Somos capazes de tudo, basta querermos. Revelar um pequeno traço triste nos torna fracassados, impotentes. Dizer sem ânimo nos caracteriza seres fracos. Falar sobre os nossos problemas nos torna pessoas pessimistas a serem evitadas. A triste literatura de autoajuda é singular em dizer “que devemos nos afastar dos pessimistas” e que “basta um pensamento positivo para sermos quem almejamos ser”. Pensamento positivo? Que escola de mágica é essa que ensina o desserviço de acreditar que na vida são somente flores e mares calmos?

Aonde nos perdemos?

Não se trata de uma ode à infelicidade, à amargura e à desesperança. Pelo contrário: um acolher do que dói em nós, do que evoca ecos no nosso coração, do que camufla nossas vozes, do que força sorrisos quando, na verdade, queremos chorar. Por que o choro perdeu tanto espaço num mundo que se medica tanto? Por que tantas farmácias nascem em esquinas mortas enquanto livrarias fecham? Não seria este um diagnóstico choroso do que é? Sem julgamentos. Apenas um diagnóstico do que se vê antes e depois da janela.

Temos excessos de demandas que criam padrões inatingíveis. Queremos chegar a lugares que, sequer, há rotas. A presunção nossa. A vaidade, uma companheira lúcida.

Desbotamos, por isso embotamos. Embotamos, por isso desbotamos.

A felicidade é algo que não se avalia. Não se compra. Não se mede. Não se insiste. Não se pede. Não se apropria. Mas parece que temos feito o contrário: de tão perseguida, ela tem sido reflexo do menosprezo e do que tem ficado para segundo plano, em nossas vidas. O culto a ela, a competição estimulada por meio de marketing, conduz, muitas vezes, à ampliação deste desbotamento. Nosso embotamento moral tem respingado cores apagadas na nossa felicidade que poderia ser mais. Cultuamos falsos deuses. Competimos com o outro e não conosco. Buscamos somente estradas percorridas. Criamos morros. Insistimos em colocar o outro no final das fileiras enquanto furamos filas. Como não desbotarmos? Como não perdermos nossas cores vivas? Como não cansarmos a vida?

Penso que uma possível saída, se é que queremos uma saída, seja o reaprendizado da nossa convivência com o pesado de nós, a nossa dimensão do trágico, do triste, do inatingível, do inacessível, do escuro, como já disse. Como atingir a felicidade se não quero ouvir o que os tristes, em mim, dizem? Como atingir plenitude sem convidar meus fantasmas para um chá honesto e cordial? Como sorrir sem me interessar pelo motivo dos meus sorrisos forçados? Como sentir a leveza da felicidade sem conhecer o que tem contribuído para o nosso naufrágio?

Estamos imóveis frente a nossa desestruturação. A gente apostou fichas altas e muitas fichas em fantasmas e em vazias esquinas. Agora os fantasmas vivem. As esquinas criam vida. E agora, José? Drummond não está mais aqui para nos ajudar.

Enfim, aquilo que favorece a nossa domesticação não contribui. É preciso fazermos as pazes com as nossas dimensões trágicas. Conquistaremos realidades com mais fontes livres e fortes que ampliarão o nosso repertório de vida, livre de desbotamentos. A dimensão trágica da nossa existência nos reorienta. É importante receber nãos. Eles nos reorientam e nos fazem enxergar a placa de retorno que, há tempos, não percebemos mais.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação de Dostoiévski, filósofo russo do século XIX, que diz: “é preciso encher as nossas medidas”.

Penso que nossas medidas serão preenchidas se não nos ausentarmos de nós. Temos estado muito ausentes de nós buscando conhecer realidades que não são nossas. É preciso aprender sobre nós, sem imposições, sem customizações, sem compras fáceis de felicidade no mercadinho perto de casa. Impormos limites ao amadorismo e à vaidade sobre uma felicidade estática, pronta, atingível. Felicidade é construção. Obra inacabada. Assim como nós.

A gente tem estado muito ocupado fazendo concessões desnecessárias, atendendo a tudo e a todos. Estamos muito disponíveis, sempre online. Por isso, desbotamos. Vamos dormir um pouco. Desligar um pouco. Rever nossas palhetas. As cores pedem o nosso olhar.  Para isso, será preciso mapear se ainda há terrenos livres e virgens, em nós, e irmos para estes lugares.

Não há fórmulas, não há certezas, não há conclusões. Apenas caminhos. E são muitos.

domingo, 18 de agosto de 2019

Os degraus ausentes da minha escada

A língua portuguesa é rica. Sabemos disto. Pena é que esta riqueza seja subestimada pela pobreza da nossa percepção e do nosso olhar. Uma riqueza sutil. Uma riqueza esquecida. Uma riqueza não utilizada porque não fomos ensinados a nos apropriar dela. Uma língua rica que nos convida a pensar. E por meio deste pensar, sair do lugar aonde comodamente se está.

Mas como sairmos deste lugar se nossa percepção adoeceu e se o nosso olhar anoiteceu? Não há como partirmos sem malas. Não há como partirmos sem o mínimo para a nossa sobrevivência. Digna, não sei. Mas sobrevivência. E sem um olhar amanhecido e uma percepção principiada, como ir? Melhor, pois, não embarcar e tentar trocar o bilhete. Sempre é tempo de revermos o que nos falta.

O artigo os, que antecede o substantivo degraus, no título deste texto, é uma destas riquezas da nossa língua. Ele identifica que o texto falará sobre algo definido, e não sobre qualquer coisa. No exemplo que trouxe, a definição está no “os”. Não me refiro, portanto, a quaisquer degraus: mas sim, aos meus. Além desta sutileza do artigo definido, que é a identificação clara sobre o falar de algo determinado, ele também é utilizado para designar algo já conhecido. Não basta, então, ele dizer claramente que fala sobre algo determinado (os meus degraus, e não os degraus do vizinho), mas também, que meus degraus são conhecidos. Óbvio. Será?

Quando avançamos no conhecimento da Língua, percebemos que dizer que ela é sutil e rica se torna pequeno. A Língua reafirma que não estamos prontos. Há muito o que dizer a nós. Somos famintos deste dizer porque o desconhecemos. Ele está aí, posto, mas como enxergá-lo se ainda somos noite e insalubres?

Não só a sutileza do que o artigo definido veio dizer, há o pronome minha, também no título deste texto, o que reforça, mesmo de forma redundante, que os degraus são meus porque faltam na minha escada. Mais uma vez a evidência da relação comigo, da posse e daquilo que me pertence.

Artigos e pronomes: tão presentes e tão ausentes. Presentes na nossa escrita e na nossa fala. Ausentes porque nossas paredes vão alta demais. Presentes porque escrevê-los é do âmbito da técnica, fácil de aprendê-la e de reproduzi-la. Ausentes porque percebê-los é do âmbito da emoção, difícil de compreendê-la e de ouvi-la.

Somos a soma destas nossas reticências. Somos construtores de um processo que desconhecemos porque não nos preocupamos com o resultado da nossa existência. Não nos preparamos para observar estes artigos, estes pronomes e, principalmente, o que eles dizem. Não nos preparamos. E porque não nos preparamos, não conseguimos enxergar opções e alternativas. Estamos vivendo vidas precárias porque nossas carências não estão tendo saídas, opções e alternativas. Talvez a saída seja a busca por uma vida mais simples, cujas carências nossas, que sempre existirão, enxergarão as saídas.

Vidas precárias utilizam artigos e pronomes sem percebê-los. Vidas simples não se conformam com o incômodo da incompreensão.

acervo pessoal

A cena acima é real. Na saída da peça “O Monge e o Executivo”, texto cuja simplicidade da fala incomoda e nos ironiza, um copo sujo no chão, o próprio ingresso e restos de comida, denunciando que por ali passou alguém ou alguéns desprovido (s) de saídas para a(s) própria(s) carência(s). Uma pena. Uma pessoa cujos degraus faltantes na própria escada gritam sem serem ouvidos. Uma pessoa que, ao fazer uso da própria escada, percebe (talvez?) o degrau faltante, mas pula o espaço em branco, o buraco presente e exatamente por ser tão presente não é percebido. Uma pena, novamente.

Somos escadas incompletas. Temos degraus ausentes. O que nos diferencia, no entanto, é que enquanto uns já se deram conta da necessidade de amanhecerem o próprio olhar e recuperarem a saúde da percepção, outros ainda buscam atalhos toscos para pularem os degraus faltantes, freneticamente apagam as luzes que parcamente surgem e adoecem ainda mais a própria percepção, que de tão doente, perdeu a conexão e o sentido.

Escadas quebradas porque faltam degraus nela. Nossa realidade construída por mãos alheias, mas com a presença ilustre das nossas digitais. Nossas eternas companheiras que fazem parte das narrativas, excessos, ausências, retrocessos, cansaços, improvisos sem sentido, simulações, superficialidades, composições, incompreensões, crueza, exclusões. Tantos nomes entre vírgulas! Como nos cansam lê-los. Mas por que não nos cansam praticá-los? Esta é uma pergunta que há tempos nos foi respondida pela noitinha na qual vivem os nossos olhares e pela leve indisposição na qual vive a nossa percepção.

Escadas quebradas e incompletas: uma representação de onde estamos. Degraus faltantes e frágeis: um resultado do que não fizemos. Mas ainda podemos ser. Ainda podemos fazer. Sem moralismos. Apenas um olhar novo para aquilo que não precisa mais ser guardado e nem construído por causa da nossa rigidez e por causa dos nossos pequenos olhares e universos.

Um olhar novo que começa a ser construído quando nos debruçamos e nos interessamos pelo contemporâneo que vai em nós. Quando nos interessamos por falar sobre as nossas experiências de fracasso e de fragilidade ao invés de buscarmos soluções rápidas para consertarmos os nossos degraus faltantes. Não há atalhos. Não há soluções mágicas. Não há receitas. Não há receita de caminho. O que há é uma luta individual para enxergar o que falta em mim, os degraus faltantes da minha escada. Por isso, os artigos e os pronomes são fundamentais. Tão relegados à margem, tão essenciais à vida. Mais que itens de uma gramática que um estudante desavisado a chamaria de chata: um antigo convite de revisitação da nossa bagagem, da minha, mas que também é da sua.

Os artigos em nós. Os pronomes em nós. Uma Língua rica, viva e que nos oferece os próprios braços para nos ajudar a compreender as nossas lacunas e os nossos vazios. Sem uma reflexão sobre eles, como compreender o que eles nos dizem? É difícil. Mas é preciso resgatar o gosto pelo esforço. Sem isso, os atalhos toscos e podres continuarão em evidência.

Pisamos falso. Pulamos buracos. Entortamos os nossos pés. Encolhemos as pernas. Saltamos. Mas raramente paramos para construir os degraus faltantes na nossa escada. Poucos são os que se debruçam sobre os buracos da própria trajetória e reconstroem os degraus perdidos ou quebrados nos lares vazios.

É preciso recuperarmos o sentido do útil e abrirmos mão do brilho inútil. Talvez neste dia os carpetes poderão ser vistos, novamente, limpos naquele teatro, na nossa casa, na minha e na sua. Um carpete fofo, cheiroso, limpo e que, antes de tudo, nos convida a pisá-lo, porque assim é da natureza dele. Não um pisar de desrespeito, mas um pisar de convite para estar nele. Simples assim. Talvez neste dia os degraus da nossa escada, da minha e da sua, estejam mais sólidos, com menos buracos, com menos espaços, com menos vazios. Não sei. Mas é uma possível chance.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma incômoda fala, presente na peça Macbeth, de Shakespeare, que diz:

“A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum."

A nossa vida depende da gente para ser vivida e contada. Que não sejamos estes idiotas aos quais se referia Shakespeare. Acho que não era da gente que ela falava. Mas, na dúvida do sim ou do não, que nossas escadas fiquem prontas ou, no mínimo, tenham os projetos de restauração e de construção iniciados. Somente de posse, de verdade, das responsabilidades que nos pertencem, e respondendo por elas, não caberemos nesta fala de Shakespeare. Nossos sons serão cantos e nossas fúrias, abrandadas, terão se transformado em respostas, agora com sentido.

Neste dia, nossos carpetes poderão novamente serem vistos e pisados. Os meus e os seus. Olharemos para trás, e não enxergaremos mais os copos, os restos de comida e o triste ingresso, no chão. Neste dia, nossas escadas serão palcos de novas batalhas, mas outras, e não mais as mesmas. Teremos degraus mais firmes, sólidos e nossas escadas não terão mais espaçamentos tão visíveis com degraus faltantes que denunciavam a nossa ausência em nós.

Os copos, os restos de comida e o triste ingresso, no chão, infelizmente, ainda existirão, mas acredito que terão partido para outros lugares aonde existam pessoas cujas escadas possuam degraus faltantes. Olharemos para trás, mais uma vez, e reconheceremos aquele familiar lugar que um dia foi nosso. Um olhar de compaixão e de melancolia, mas não de saudade. Um olhar para um espaço cujas vidas que lá vivem, um dia, também foi o nosso lugar.

domingo, 28 de julho de 2019

Estou fazendo a minha parte

Fernanda Montenegro diz algo muito curioso: “você não enxerga os alfinetes quando você não os está procurando. A partir do momento que você decide ver alfinetes, começa a prestar atenção em alfinetes ou a procurá-los, muitos deles surgem.”

Na verdade, os alfinetes sempre estiveram lá. Nós é que não os víamos. Quando começamos a dedicar a nossa atenção a determinadas coisas, me parece que elas começam a ser vistas. Uma conclusão óbvia, até sem sentido. No entanto, um óbvio que não foi percebido por nós porque, certamente, estávamos em outro lugar quando os alfinetes cruzaram o nosso caminho. Se eu perguntar a você quantos clipes você encontrou hoje, saberia a resposta? Mas eles estavam lá, no trajeto no qual você caminhou. Apenas não foram vistos por você. Portanto, as coisas passam a ser vistas e percebidas por nós a partir do momento que iniciamos a procura por estas mesmas coisas. Uma procura para compreendê-las, entendê-las ou, até mesmo, para discordar delas.

O essencial é saber interagir e dialogar com o que encontramos no nosso caminho.

“Estou fazendo a minha parte” é uma colocação que tenho ouvido bastante. E aí me lembrei da reflexão da Fernanda Montenegro: será que tenho ouvido muito esta frase porque as pessoas estão, de fato, falando mais isso, ou será que eu não a ouvia quando ela era dita? Será que estas falas começaram a ser ditas agora ou simplesmente eu não prestava atenção ao serem ditas? Difícil responder a esta pergunta. Mas é preciso refletir sobre.

Se agora os alfinetes são vistos por mim, preciso será entender e compreender porque eles possuem eco dentro de mim. Por que eu os busco. Tanto os busco que os encontrei. Talvez se eles não fizessem um cenário, em mim, eu não os teria visto, não os teria buscado.

Se agora localizo os clipes no meu caminho é porque algo eles têm a me dizer que tanto posso gostar ou não. Mas a interação é inevitável. Se assim não fosse, por que passei a percebê-los se eles estavam lá, no mesmo lugar onde sempre estiveram? Enquanto estavam quietos e mansos não me incomodavam. Não me exigiam contato. Agora os percebo e este perceber exige uma fala minha com eles, e vice-versa.

Pensando sobre esta frase que tenho ouvido bastante exatamente porque tenho refletido sobre ela, o primeiro incômodo que me ocorre é quanto à incongruência dessa colocação: como dizer que estamos fazendo a nossa parte se nem ao menos sabemos qual é a nossa parte? E se, hipoteticamente, soubéssemos qual é a nossa parte, como saber se ela está sendo feita? Uma incongruência e incoerência sem precedentes. E o segundo incômodo é quanto à nossa insistência em nos reafirmar como à parte de tudo o que nos acontece. Fazemos. Os outros é que não fazem. Por isso, estamos com problemas de todas as ordens.

Estou fazendo a minha parte.

Esta frase, que tanto tenho ouvido exatamente porque há muito tenho pensado sobre ela, me fez refletir. E o mais importante de uma reflexão é a lentidão de que ela necessita para agir.

Uma reflexão precisa ser lenta, morosa e com uma dinâmica bem distinta da nossa, cuja rapidez, velocidade e ausência do pensar a identificam. Na lentidão, uma das características da reflexão, as falhas aparecem e somos obrigados a parar e a mergulhar se quisermos saber. A reflexão é fundamental se quisermos compreender porque os alfinetes e clipes surgem no nosso caminho e compreender porque, hoje, passei a enxergá-los. Sem esta reflexão, dificilmente subiremos os nossos degraus.

Refletir é o caminho para sermos artesãos de nós mesmos. Uma construção manual, porém, sólida.

Na rapidez, uma das características da nossa insensatez, as falhas são escondidas. Passam despercebidas. Nossas aparências, aqui, são muito mais importantes e tomam o espaço que, antes, mostrava os erros e as falhas. Como eles pouco nos interessam, foram obrigados a cederem os seus espaços para outros visitantes.

Ter pressa é o caminho mais rápido para a irrelevância. Apressar uma construção é começar a destruí-la. Ser rápido sem critério e sem sentido nos fará, talvez, realizar o nosso sonho. Mas de tão rápida que foi esta construção, não será possível mais reconhecer o nosso sonho após realizado. Triste será realizar um sonho sem poder reconhecê-lo, parafraseando Dostoyevski. Na rapidez, um caminho apressado que nos privará do que poderíamos ter sido.

Nossos bastidores nos revelam, mas também ajudam a esconder. Reflexão e rapidez: dois caminhos. Duas possibilidades. Duas hipóteses. Para trilhá-los, somente fazendo escolhas. Somente nos responsabilizando pelos alfinetes que escolhemos ver e também pelos clipes que escolhemos não ver, não dedicar atenção.

A cada descoberta que fazemos na vida, os nossos desdobramentos vão se mostrando.  Descobrimos os silêncios que vão escritos e cheios de significados, em nós. Nossas gavetas e nossos recreios nos sustentam. Nossas gavetas entulhadas de reflexões. Nossos recreios repletos de pressa.

O abrir de portas ao autoconhecimento é fundamental se quisermos nos tornar pessoas melhores em todos os sentidos. Aceitar este convite para este caminho sem volta, onde louros e dificuldades nos aguardarão logo ali, atrás da porta, com risos e indigestões.

Estou fazendo a minha parte.

A abundância precisa ser um valor. Uma abundância do pensar, do agir e do refletir. Caso contrário, a tendência será o desperdício que é refletido pela nossa insuficiência moral.

Estou fazendo a minha parte reflete enorme ênfase no curto prazo que nos lembra sermos uma sequência de rupturas e de contradições, o que dificulta a construção clara de qual é o nosso projeto. Qual é o nosso todo? Não sabemos. Não sabemos porque não nos olhamos mais. Somos segmentados na nossa construção. Fomos educados para um olhar pontual e não global. E isto nos impede de enxergarmos o que vai no nosso caminho mesmo que seja para desconstruí-lo.

Estou fazendo a minha parte reflete uma dor que vai em nós. Uma dor não ouvida, não sentida em sua plenitude. E é preciso tempo de ter tempo para as nossas dores. Caso contrário, sempre estaremos encostando a nossa escada na parede errada e achando, com isso, que estamos fazendo a nossa parte. Se respirarmos a nossa própria presença e aquilo que vai dentro da gente, nossas propostas abertas encontrarão as respostas.

O mundo pede outros papéis. Os vigentes já deram a sua contribuição. Eles, sim, já fizeram a parte deles. É preciso pensar na falta de existência que estamos exercendo na vida. Existir não é passar pela vida. É vivê-la. Uma conversa franca com a gente e com a vida. Precisamos aprender a ficar o máximo no agora que é aonde o tempo tem sua existência em horas. A nossa conversa deve ser aqui para que a gente aprenda a acessar os nossos silêncios e, a partir disso, provocar as nossas atitudes.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Confúcio, Filósofo Chinês que viveu 500 a.c., que diz:

“Não procuro saber as respostas, mas compreender as perguntas”.

Quanta sabedoria dita há tanto tempo e com valor vigente e atemporal. Quando buscamos respostas, nos cerceamos. Quando compreendemos as perguntas que a vida nos faz, ampliamos a nossa percepção sobre nós e sobre tudo o que nos cerca. E por isso, passamos a perceber mais os alfinetes, os clipes, frases como estou fazendo a minha parte e outros adereços relevantes presentes em nossos caminhos e estradas, como um convite da vida para, de posse deste repertório, sermos os autores das nossas perguntas, e não mais o público.

Neste dia, teremos atingido, finalmente, o patamar da alta-costura em nós mesmos.

domingo, 21 de julho de 2019

Os desertos em nós

Quando pensamos sobre o filme Dumbo, de Walt Disney, logo nos chega à mente a classificação de “infantil”. É comum associarmos estes tipos de filmes a esse gênero devido à fantasia e ao lúdico que eles apresentam. No entanto, se dedicarmos tempo para assisti-los, quase sempre, chegaremos à conclusão de que o tal gênero “infantil” ou “fantasia” logo se acomodará no final da fila. Nos primeiros lugares, o gênero que a vida nos impõe, e de como ela, por meio dos problemas, alegrias, angústias e realizações, se apresenta para nós e nos pede e cobra passos. De preferência, para frente.

“Não julgue o livro pela capa”, alguém disse certa vez. E foi o que não fiz. Acreditei que Dumbo fosse um filme leve, de caráter lúdico, infantil. Mas me enganei. O filme me trouxe muitas reflexões de caráter filosófico, ético e moral. No entanto, o lúdico, a leveza e o infantil que eu esperava não se apresentaram. Surpreendi-me e foi uma excelente experiência.

Todos os filmes e obras, no geral, trazem reflexões. Mas quando estes materiais são catalogados como “infantil”, geralmente, vamos com o nosso espírito desarmado e sem defensivas. Sentamo-nos comodamente nas cadeiras do cinema ou do teatro e achamos que vamos nos divertir, somente. E justamente por estarmos livres de filtros e indefesos, as mensagens nos atingem com facilidade. A simplicidade dos diálogos entre os personagens, a singeleza das palavras, a naturalidade e a espontaneidade da ação das crianças, no transcorrer do filme, dão a impressão de que hoje não é dia de falar sobre coisas sérias e atemporais. Só uma armadilha do autor para sairmos do rigor dos nossos pensamentos e retomarmos a integridade que, há tempos, perdemos durante as nossas trajetórias.

imagem tirada da internet

Quando nos desligamos, mesmo que seja pelo instante de um filme, do rigor dos nossos pensamentos e compreendemos que o coletivo nos constrói, voltamos a viver e a valorizar este mesmo coletivo, este entorno, este problema que, em tese, não é meu, mas que é do outro. Portanto, meu também. Voltando a viver, contribuímos para o todo.

A nossa experiência de viver precisa ser aprimorada. Para tanto, é preciso nos debruçar sobre as argumentações que nos são apresentadas e propostas. Sem isso, nos tornamos obsoletos na nossa condição de existir. E Dumbo nos ajuda a lembrar isso. Nossas narrativas de vida envelhecem, mas não podem se tornar obsoletas.

Os desertos em nós.

Envelhecer é um processo natural daqueles que vivem e obedecem a natureza. Daqueles que avançam com o tempo e não contra ele. O envelhecimento de nossas narrativas é natural e apenas significa que estamos, a todo o tempo, recriando e reafirmando as nossas relevâncias.

Obsoleto é um processo de busca pela insignificância e irrelevância. Tornar obsoletas as nossas narrativas é desistir sem, ao menos, ter tentado. É contrariar a dinâmica da vida e começar a nos ausentar de nós. É dar brilho ao que é pequeno, em nós. Valorizar o desvantajoso e o primitivo. É quando, no meio do nosso caminho, nos descobrimos burocráticos. Por quê?

Penso que uma possível resposta a este porquê esteja na fala da personagem Milly Farrier, interpretada pela atriz Nico Parker, filha de um dos integrantes do circo aonde Dumbo havia nascido. Ela e o irmão, ao notarem que Dumbo podia levantar voo exatamente por causa das orelhas grandes que tinha, chamam o pai para mostrarem o que haviam descoberto. No entanto, o pai simplesmente não dá atenção ao que os filhos estavam falando, e sai apressadamente para fazer algo que, certamente, poderia esperar. Nesse momento, a personagem de Nico Parker (a menina), diz:

“aquele que não tem interesse não merece saber.” Ela e o irmão saem do lugar aonde estavam e sem se abaterem, seguem a aventura. Os dois possuíam informações preciosas a respeito do que acontecia ali, com Dumbo, que certamente impactaria a todos. Mas apenas as duas crianças, pelo menos, naquele momento, estavam interessadas.  Mas e o pai? O pai não quis saber, assim como os demais personagens do filme.

Fiquei refletindo sobre a palavra que a menina trouxe: interesse. E de tudo o que a vida não nos revela simplesmente porque não nos interessamos.

Nossas obscuridades caminham nos nossos luxos e palácios repletos de adereços que refletem os nossos bastidores. Nossas obscuridades acesas por lâmpadas ora sujas, ora de baixa potência, ora queimadas, ora emprestadas, ora submersas. Mas ainda há tempo de instalarmos outras lâmpadas mais eficientes e até mais econômicas. As lojas costumam abrir aos sábados, também, para aqueles que não possuem tempo de trocá-las durante a semana.

A cadeira do cinema ficou um pouco incômoda para todos nós após ouvirmos aquela frase dita por uma menina. Talvez seja preciso resgatar a pureza das crianças, parafraseando Gonzaguinha, como um recurso para se viver. Mas como o nosso interesse nem sempre está no que nos diz a vida, ela se cala. Ou ela fala com quem a ouve. Tudo é uma questão de afinarmos a nossa comunicação com quem fala conosco. No caso: a própria vida.

Buscando o significado da palavra interesse, entre tantas informações, encontrei: relevância atribuída a algo. Importância. Palavra originada do Latim. Inter (estar entre) + esse (ser, estar). Portanto, se interessar por algo é estar no que se fala, no que se faz. É ser parte deste algo que se fala ou que se deseja saber.

Interessar-se é se importar, é trazer para perto de si a realidade do outro e buscar acolhê-lo para poder ajudá-lo. E vice-versa. De posse deste conceito, fica mais fácil compreendermos os motivos pelos quais, muitas vezes, a vida não nos traz as respostas que buscamos e que procuramos. Não estamos com o interesse que ela julga ser genuíno. Não estamos nos importando, de verdade. Para quê sabermos, então? Não merecemos, simples assim. E por que não merecemos? Porque não nos interessamos o suficiente.

“Aquele que não tem interesse não merece saber.” Muitas foram as reflexões, mas este texto tem a pretensão de ficar somente com esta.

Não há desperdícios por parte da vida. É preciso que saibamos disto. Se não há interesse, também não há informação, não há saber. É preciso justificar o nosso merecimento em receber o saber. E para merecê-lo é preciso interessar-se. Parece uma ideia simplista, mas é importante diferenciarmos simplista de simples. Simplista é algo patético, sem a mínima importância, algo ridicularizado e não valorizado. Simples é o lugar habitado por aqueles que já entenderam que não estão aqui a passeio e que, por isso, há muito trabalho a ser feito. O simples de tão simples que é, complicamos e inviabilizamos o acesso a nós próprios.

É preciso revisitar os nossos interesses para que a vida se aproxime da gente com o saber que importa. Somente assim evitaremos o risco de nos tornarmos irrelevantes cujo significado é não ter papel, não ter função, não ter uso. É preciso parar de darmos vozes aos outros que nem ao menos sabem que existimos, para iniciarmos nossas próprias vozes. Recuperar o nosso apropriar de nós mesmos para que a gente saia da ficção para a realidade. Vivemos, muitas vezes, numa ficção muito bem elaborada pelas nossas lentes desajustadas.

Quando a vida nos diz que não merecemos saber porque não nos interessamos é o mesmo que vivermos exclusões diárias. É preciso pensar sobre isso e não permitir que nossos frutos sejam filhos do cansaço, mas sim do franco olhar acerca de quem somos.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma ironia de Fernando Sabino, um dos mais importantes cronistas brasileiros, que diz:

“Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino.”

Que a gente não ceda à tentação de voltar à infância para reaprendermos o significado e a relevância da palavra interesse. Que possamos dedicar nossos espaços para o interesse legítimo e, sejamos, assim, merecedores do saber.

De posse deste saber, avançaremos do espaço da nossa terra desconhecida e incógnita para a descoberta da nossa preservação, um desejo e uma resposta que sempre esteve em nós. No entanto, por falta de interesse, caminhamos durante tempos em círculos e nos perdemos nas rotas imaginárias.

Que a gente não dependa do Dumbo e dos amigos dele para nos relembrar de coisas que já aprendemos, mas que, por um descuido desinteressado de nossa parte, nos esquecemos.