terça-feira, 30 de junho de 2015

Quando as palavras se desentenderam

Era manhã e a minha manha me fez usar da artimanha de dormir um pouco mais

Passada a hora. Eu atrasada. Fiquei estressada porque estava chateada e desesperada

E a falta de tempo me trouxe um contratempo porque não me deu nem um meio tempo para pensar na hora que era agora me levando embora e para fora

Estava com pressa e, depressa e não pouca-pressa, fiz a compressa na testa e possessa nessa pressa fiz a prece com pressa

Sem essa!

Com pressa eu não faço a prece que é uma compressa para a minha dor. Eu disse compressa e não com pressa. Por que com pressa eu não faço a prece que é a minha compressa, mesmo que eu me apresse. Promessa

O jeito é correr para percorrer o querer e o sofrer. E o viver!

Da dor do amador do agressor do meu autor. É do escritor que falo!

Haja tato para lidar com tato com todo o contato que nos é colocado. Fato!

Contanto que aja já e haja senso e não censo, cedo aqui para que cedo ali eu avance na chance do lance com suas nuances. Mas aí será outra história com outras glórias

Glórias simplórias; glórias inglórias, mas sempre com dedicatórias. Mesmo sendo inglórias, porém nunca vexatórias

Isto fará parte da nossa história. O experimento da dor com sabor, da alegria com alegoria

Bendito o palhaço que é feito de aço

Que ouve ou vê aquilo que houve. Que faz capaz e perspicaz

Que faz a vigilância também da comilança na lambança da nossa andança

No caminho, pego sozinho o bondinho comendo o meu polenguinho

Mas como sou mesquinho, guardo o pedacinho só pra mim. Quero sair de fininho, então dou um empurrãozinho

“Vai catar coquinho”, um nervosinho falou!

Distante ainda o caminho

Por isso, vou dando conversa para o ambulante que sonha ser comediante. Mas acho que ele se faz um delirante!

Mais perto estou do caminho. Aperto o incerto, e entreaberto desço no deserto encoberto, mas liberto

Cansado. Mas adequado e adaptado. Animado com o aprendizado

Chega a noite. Ouço um “boa noite” da dama-da-noite

É hora de descansar e parar para aclarar e comparar e, quem sabe, reparar

Era noite. Fui fazer o chá-da-meia-noite que é o mesmo de ontem

O mesmo, mas não a esmo em torno de si mesmo

É madrugada. Cansado da andada da estrada

Durmo para encontrar o rumo

Hora de acordar

Ora, acorda!

Sem se acovardar para enfrentar o que te faz acomodar. Andar te faz aprofundar

Era manhã e a minha manha...

A rotina é inimiga da adrenalina, mas elas se completam. E isto é desde os tempos da brilhantina!

A alegria é a alegoria da nossa autoria

Existência com essência, mas com advertência!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Estenda as suas asas

Respeito. Um dos valores mais importantes do ser humano. Pelos menos, deveria ser. Ele nos impede de termos ações reprováveis em relação ao outro.

Educação. Um dos direitos essenciais do ser humano. Pelos menos, deveria ser. A educação existe, em um de seus papéis, como um propósito para que o indivíduo desempenhe funções nos contextos sociais. É um processo contínuo de desenvolvimento para o melhor que cada um pode ser.

Educar é um ato de amor, acima de tudo. É um direito, sim, mas é um ato de amor que nos liberta para sermos o melhor que pudermos.

Mas acho que isto está um pouco distante de nossa realidade. Infelizmente.

A teoria nos abastece com belos textos, mas como estão distantes da prática! Isto explica o desequilíbrio que temos e vivemos.

Olhando para a nossa história, temos excelentes exemplos de educadores e de estudiosos, excelentes sugestões de caminhos a seguir, excelentes teóricos que dedicaram muito tempo de suas vidas à educação. Por que, então, temos um abismo entre a teoria e a prática? Por que somos excelentes no falar, no mostrar caminhos, no sinalizar tendências, no apontar soluções, mas somos ineficientes no colocar tudo isto em prática?

Uma palavra que me vem à mente e que, pelo menos, para mim, responde a muitas das minhas dúvidas, e também responde a esta que faço agora, é a desonestidade. Somos desonestos. Ponto. Simples assim. Não cabe, aqui, ofensas pessoais, mas uma constatação.

Portanto, este desequilíbrio que se dá entre a teoria e a prática chama-se desonestidade. Desonestidade não é somente pegar algo físico que não pertença a você, roubar um dinheiro e afins. Roubar também significa tirar o “direito sobre algo”. E não é isto o que fazemos quando temos uma banalização do estudo, do ensino, como a que presenciamos diariamente?

Tendemos a pensar na palavra “roubo”, “desonesto” somente no sentido físico e material que elas trazem. Mas quando pensamos no significado destas duas palavras num sentido profundo, percebemos que o material ficou lá atrás, bem atrás. Roubamos, diariamente, o direito dos outros sobre algo e somos roubados também. E com a Educação não seria diferente.

Estamos sendo desonestos com a nossa educação, consequentemente desonestos conosco, também. São várias as desonestidades que encontramos ao nosso redor. Mas escolhi, neste texto, falar sobre uma delas, que é a desonestidade para com a nossa Educação.

Esta desonestidade é uma das causas básicas de todos os nossos problemas, que começam quando nos distanciamos de nossa essência. Quando a nossa essência começa a se distanciar de nós, deixamos um pouco de existir. E quando penso assim, as coisas começam a fazer sentido. A desonestidade incide nisto: no distanciamento da nossa essência, de nos permitir ser roubados a cada dia um pouquinho, e de roubarmos um pouco do direito do outro.

Roubamos o direito de existir da Educação porque a afastamos da sua essência. E qual é a essência da Educação? Vou apresentar alguns números que talvez respondam a pergunta.

Gems Education Solutions, uma consultoria Educacional de Londres, realizou, em 2014, um estudo sobre a Educação e seus níveis mundiais. Numa pesquisa com 30 países, o Brasil ocupou o 28º lugar no item “valor que se gasta por ano, por professor”. Veja a classificação:

1) Suíça: 68,8 mil dólares
2) Holanda: 57,8 mil dólares
3) Alemanha: 53, 7 mil dólares
28) Brasil: 14, 8 mil dólares
29) Hungria: 14, 7 mil dólares
30) Indonésia: 2,83 mil dólares

Ou seja, de 30 países pesquisados, estamos, praticamente, na lanterna. E isto explica muitas coisas. Somente um País que não valoriza a educação poderia apresentar estes números.

Um outro índice, o de eficiência, colocou o Brasil no 30º. Conforme explicado pelo Instituto, índice de eficiência é uma comparação que se faz entre o que se gasta com a educação x o resultado na formação dos alunos. E o nosso Brasil ficou um pouquinho pior neste índice. Veja a classificação dos mais eficientes:

1) Finlândia: 87,81%
2) Coreia do Sul: 86,66%
3) República Tcheca: 84,38%
29) Indonésia: 51,13%
30) Brasil: 25,45%

Portanto, para respondermos a pergunta “qual é a essência da Educação? ”, é fundamental entendermos o que é eficiência, no contexto da escola e do ensino. A partir daí, entenderemos qual é a essência da Educação e, consequentemente, entenderemos o porquê roubamos o direito de existir da educação. Quando as coisas começam a ser entendidas, nossas atitudes vão sendo explicadas, também.

Ser eficiente é, pois, aprender a conviver com o outro, em primeiro lugar. O distanciamento do convívio pessoal, que há hoje, é muito crítico. Queremos que o aluno tenha capacidade de pensar, de transformar o mundo, mas não o ensinamos a conviver, não o incentivamos a tal. Queremos isto, mas o que mais fazemos como seres humanos é nos distanciarmos do outro.

O ensino médio prepara o aluno para o vestibular, na maior parte das vezes, infelizmente, e não deveria ser este o objetivo.  A educação tem sido vista como um bem de consumo, um objeto e não uma causa, como deveria ser. Por isso o índice de eficiência educacional do Brasil foi ruim. Preocupamo-nos com tudo na educação, menos com o principal: que é aprender a conviver com o outro, em primeiro lugar. E isto é um roubo. Isto é desonesto.

Paulo Freire, um dos maiores educadores que o Brasil já teve, dizia que uma das principais perguntas que deveríamos, enquanto cidadãos e educadores, fazer era: “para quê ensinar? ” A falta desta resposta tira a essência da educação. Este sempre foi o debate e o questionamento de Paulo Freire. Porém o que nos ensinam são as técnicas e o como. Aquilo que não é discutido (para quê estudar?) revela muitas coisas. O silêncio revela; a ausência revela.

Isto tudo é roubar o direito de existir da Educação porque tudo está muito longe da essência. Num mundo materialista como o nosso, o que prevalece é a aparência e não a essência. A aparência está intimamente ligada à personalidade (personalidade = persona = máscara = falso: o que quero mostrar?), ao passo que a essência está intimamente ligada à individualidade (individualidade = indivíduo = eu = indivisível). Portanto, me importo com aquilo que sou ou com aquilo que quero aparentar? Fica uma reflexão.

Outro significado para a palavra desonestidade é a colocação de empecilhos a partir do momento em que não aceitamos a verdade. Empecilhos para não fazer, para deixar para depois, para amanhã. Bendita seja a procrastinação! Ainda bem que ela existe para apoiar a ineficiência, a desordem e a falta de escrúpulos.

Temos muitas iniciativas maravilhosas na educação, muita gente com vontade de mudar, de fazer aquilo que é o certo, aquilo de que a educação precisa. Mas ainda são ações isoladas.

É preciso entender que não estamos aqui para usufruir do mundo, mas para fazer algo pelo mundo. Difícil entender isto quando roubamos coisas e somos roubados. Tem um escritor que diz que o único valor da vida é o bem que se faz. E qual é o bem que estamos fazendo pela sociedade e pela educação? Não sei responder a esta pergunta.

Para pararmos de roubar o outro e de sermos roubados e, assim, voltarmos a existir, é preciso voltar para a nossa essência, que muitos de nós sequer a conhece.

Nada é conhecido se não for amado.

Vejo uma triste banalização do que não poderia ser. Precisamos utilizar bem o que temos, mas não sei se nos conscientizamos a respeito.

Precisamos resgatar a nossa capacidade de ser e de existir. A baixa autoestima não nos permite existir. Vamos tentar entender o que explica este nosso comportamento, nossas ações, o porquê aceitamos determinadas coisas, o porquê fazemos determinadas coisas. O porquê roubamos, o porquê somos roubados.

Temos que combater algumas coisas frontalmente. Buscarmos existir. Construir, de verdade, um mundo sem paredes. E rápido. Ele não vai ficar esperando por nós. É melhor começar logo. Alguém pode, por favor, desligar a televisão para sairmos da alienação?

Desligar a televisão é uma decisão importante. E uma decisão importante aponta as curvas dos nossos caminhos. Caminhos novos, sem roubos.

Precisamos buscar o que perdemos e nos preparar melhor. Quando nos preparamos temos opções. E aí o resultado da nossa existência começa a aparecer. Uma existência com essência, sem roubos.

Encerro este texto apenas no papel, uma vez que o assunto é longo. Deixo uma frase de Humberto de Campos, jornalista, poeta e escritor, para nossa reflexão:

“Cada ave, com as asas estendidas, é um livro de duas folhas aberto no céu. Feio crime é roubar ou destruir essa miúda biblioteca de Deus. ”

Que possamos ser esta ave com as nossas asas estendidas representando livros abertos, com a esperança de que ninguém roube, nem mesmo a gente, esta maravilhosa biblioteca que nos foi dada.

Com o pensamento e a atitude voltados para a nossa essência e, consequentemente, para o nosso existir, até o mais astuto dos ladrões, mesmo que este ladrão seja a gente mesmo, ficará envergonhado de suas ações, principalmente a de nos impedir de voar.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Padre, eu pequei


A imagem acima, disponível na internet, nos oferece inúmeras reflexões e inúmeros caminhos para conversas. São várias as ramificações que a imagem nos proporciona e nos provoca.

Após o primeiro impacto que ela me causa, o riso, logo percebo a ironia implícita nos diálogos, o que me obriga a colocar o riso no segundo plano, e a escolher qual destas ramificações, que a imagem me causa, vou querer falar. E escolhi falar sobre o limite, ou melhor, a falta e o excesso dele.

Independentemente da religião de cada um, se é que a temos todos, de forma alguma trago esta imagem para criticar algo sobre a religião ou para falar sobre. Absolutamente. Cada um com as suas crenças. Cada um com a sua direção espiritual.

O que trago aqui, por meio desta figura, é uma reflexão sobre o limite, tanto a falta dele como o excesso. Os dois são ruins e nocivos a nós. E acredito que esta imagem é bastante emblemática para falarmos sobre isto.

No desenho, uma pessoa, que poderia ser qualquer uma de nós, busca a Deus para alívio de suas dores, de suas angústias existenciais. E ansioso pela resposta que poderia aliviar a sua dor, o Senhor pede para ela buscar a resposta no Google. Certamente não era isto o que aquela pessoa queria ouvir.

Passamos dos limites. Passamos de todos os limites. E há tempos. Nem Deus foi poupado. Como diz a música: “...nem o Santo tem ao certo a medida da maldade...”. E estes excessos por ultrapassarmos tantos e todos os limites estão nos causando sérios danos.

Concordo que para muitas coisas, muitas mesmo, precisamos quebrar os limites, questioná-los se quisermos evoluir, se quisermos ser pessoas melhores, se quisermos viver num mundo melhor e mais justo. Limite é incompatível com crescimento, seria uma forma de alienação.

Mas é preciso saber a hora de parar, senão certamente vão nos parar.

Questionar algo estabelecido é saudável e necessário. Porém, penso que, da mesma forma que muitos limites devem ser questionados e ultrapassados, muitos, e muitos mesmo, devem ser mantidos e respeitados. Daí a ironia da figura acima. Moralismo à parte, bem à parte, a ironia contida no texto da figura mostra que este tipo de limite deveria ser respeitado. Jamais Deus nos mandaria buscar respostas na internet. Portanto, o que chama a atenção não é a questão moralista, religiosa, mas sim este “ultrapassar de limites” sobre assuntos em que o limite deveria ser mantido e respeitado.

A ironia, presente nos diálogos, vai bem ao encontro destes excessos que ocorrem em nossas vidas, exatamente em função da falta de limites. Estamos irônicos frente aos nossos problemas, estamos irônicos frente à dor alheia. Passamos dos limites.

Quando recebemos esta resposta de Deus, “já procurou no google, meu filho? ”, claramente há a presença de uma dissimulação, que consiste em dizer algo contrário àquilo que se pensa, àquilo em que se acredita. E isto é a ironia. O principal papel da ironia é contestar o preestabelecido, aquilo que alguém falou e é dito como certo.  Consiste em dizer o contrário do que se pretende. É também uma forma de zombar de alguém. E isto causa uma reação em quem ouve. É como dizer:

“A situação está sob controle. Só não sabemos de quem. ” Pois é, bela ironia para os nossos dias...

Na figura acima, Deus foi irônico conosco. Dizemos com frequência: “Não vivo sem o meu celular.” Então, se não vivemos sem o nosso celular, por que não perguntamos para ele o sentido da vida, no lugar de perguntar a Deus?

Há, até, uma propaganda de televisão cuja parte do diálogo é: “...mas o que você faz, hoje, sem internet? ”. Pois é, é melhor buscar a resposta para esta pergunta na internet, e não perguntá-la a Deus...

Um outro papel importante da ironia, que baseia o nosso texto sobre limites, é que ela nos convida a sermos ativos, a refletirmos sobre algo ou alguma coisa e, consequentemente, escolhermos uma posição. Por isto, a ironia, neste caso, está sendo um recurso de linguagem muito importante para percebermos que ultrapassamos os limites. E há tempos. A ironia, no fundo, faz uma crítica e/ou uma censura sobre algo. Ela procura valorizar alguma coisa, mas na realidade, quer desvalorizá-la.

Na imagem, o apelo que se faz para se buscar uma resposta sobre algo relevante (sentido da vida), na internet, desvalorizou e ironizou o próprio ato de fazer buscas na internet. E isto aconteceu exatamente pelo excesso do uso disto. Esta desvalorização acontece justamente pelo excesso, pelo além da conta. Quando temos excessos e muito do muito, difícil será encontrar alguém que dê o devido valor à coisa, que não a desperdice.

Fazer buscas na internet é maravilhoso, excelente para o aprendizado. Mas esta maravilha somente se dará se houver este limite, se soubermos o uso que faremos disto e para quê. Raro isto hoje.

Importante ressaltar que o tema ironia é discutido desde a época de Aristóteles, filósofo grego que viveu há muitos anos antes de Cristo. Ele introduziu um conceito chamado ironia socrática, que refere-se a uma técnica do método de Sócrates, filósofo ateniense e um dos fundadores da filosofia ocidental. Este conceito simulava uma forma de ignorância ao fazer perguntas ao interlocutor e “aceitar” as respostas dele. Isto até se chegar a uma contradição e, desta forma, perceber os erros do próprio raciocínio.

E o que os excessos, ultrapassagem e falta de limites têm nos causado? Têm nos causado perceber os erros do nosso próprio raciocínio, perceber que passamos dos limites para muitas coisas. E ironicamente, tantas outras coisas que deveriam ter seus limites questionados, assim permanecem.


Outra provocação, outra zombaria. Outra forma de banalizar o que não poderia ser banalizado.

Estamos transformando o sagrado naquilo que é comum. E não estou falando em sagrado somente no sentido religioso, mas sim “sagrado” no sentido do respeito, do justo, do ético. Daquilo que ninguém teria o direito de violar.

Somente trouxe estas figuras de cunho religioso para dizer que exageramos na tinta, que passamos do ponto, aliás ultrapassamos o ponto, e o espaço que deveria ser do outro tem sido feito de nosso território.

O nosso espaço é o nosso limite. Simples assim. É a nossa fronteira com o outro.  Se assim não for, vamos nos destruir. E será que já não é o que está acontecendo?

Hobbes, um filósofo inglês, afirma que os limites surgem da necessidade de organizar a sociedade e de impedir que o ser humano se destrua.

A Filosofia é uma necessidade de primeira grandeza. Deveríamos ler mais sobre isto.

O limite não pode nos impedir de ir adiante, de questionar, como dito acima, mas ele deve existir como uma fronteira de respeito às condutas humanas, ao sagrado, à vida.

Portanto, devemos reconhecer que o caminho não é fácil. Aliás é tortuoso, bem tortuoso. Mas qual opção temos que não a de trilharmos este caminho? O caminho é o mesmo para todos; o que difere é a forma como caminhamos.

Ultrapassamos o limite quando vivemos uma relação de oposição com o outro. E talvez esta busca pelo “estar sempre certo” esteja nos fazendo avançar o sinal.

Ultrapassamos o limite quando encontramos o desconhecido, o diferente, e recuamos, ora porque dizemos que eles estão errados, ora porque nos assustamos e perdemos uma excelente oportunidade de avançarmos.

Ultrapassamos o limite porque desconhecemos o seu significado e a sua importância.  Aristóteles diz que o limite fixa o término de uma coisa e o começo de outra coisa diferente. Portanto, limite é um ponto de finitude e um ponto de partida.

Sábio Aristóteles, mas quem o ouve? Ainda mais em tempos de internet...Sorte a dele que viveu numa época em que o pensamento era construído, e que os limites ultrapassados eram os necessários para o desenvolvimento do homem, e não para invasão do espaço alheio em função da falta de ética, justiça e honestidade.

Pondé, filósofo da atualidade, diz que os limites nos humanizam. Vamos pensar sobre isto. Não pode ser tudo do nosso jeito, na hora que queremos e como queremos. Isto nos desumaniza. E não é o que está acontecendo? Podemos nos perder na falta de limites.

Em tempos de festas juninas, ouvi uma mãe dizer a outra mãe: “Começaram os ensaios para a festa junina. Acabaram os meus finais de semana. ”  Acho que se referindo às idas à escola da filha para a realização do ensaio.

Torço para que a filha não tenha ouvido o que esta mãe disse. Outro avançar de limites. Há coisas que não se dizem na vida, e esta é uma delas. É um crime fazer isto. Mas enfim, somente a alienação e a falta de limites me trazem uma resposta aceitável para este comportamento desprezível.

Temos infinitas possibilidades na vida. Mas ultrapassar os limites do respeito, da ética, da justiça e do amor não deveria ser permitido. Mas quem vai controlar isto? Se não conseguimos nem garantir o básico, que dirá sobre a subjetividade humana, como é este o caso, o ultrapassar de limites? Acho que somente os filósofos dão conta disto. Ainda bem que deixaram obras e estudos preciosos para nós. Mas é preciso praticá-los.

O exceder limites traz descobertas; mas o exceder limites no trabalho prejudica a saúde, prejudica o ambiente e traz alienação.

O exceder limites traz problemas na convivência com o outro, e a falta dele também.

Saber o limite implica buscá-lo, descobri-lo, interpretá-lo. Os limites nos ensinam a tolerância, a trabalhar em nós as frustrações do desejo não cumprido, do adiar a nossa satisfação. Saber esperar é uma arte, mas só para aquele que respeita o limite.

A falta de limites traz desorientação. Temos tanta liberdade, mas o que fazer com ela?

Os limites existem para que sejamos livres.

Os limites são importantes porque eles dão vozes aos nossos gritos internos.

Os limites existem para serem questionados, mas somente quando existirem perguntas a serem feitas.

Os limites existem para serem respeitados, principalmente porque as nossas dores pediram.

Os limites existem para serem quebrados e ultrapassados, mas somente quando enxergarmos um novo caminho a seguir.

Os limites existem para sabermos o momento de parar.

Os limites existem para sabermos o momento de seguir.

Ensinar limites no curto prazo é dar liberdade no longo prazo.

Ensinar limites é aceitar o que se tem, e acima de tudo, valorizar o que se tem.

Ensinar limites é um ato de amor.

Os limites existem para nos ensinar a escolher. Quando temos muitas opções, o prazer pela escolha é substituído pela angústia do não poder escolher tudo, e ter de optar por este ou aquele.

Enfim, nossas velhas conhecidas contradições. Como saber se devemos passar os limites e assim nos superar? Como saber se estamos invadindo o espaço alheio e ultrapassando limites que não deveríamos fazê-lo?

De verdade, não sei a resposta. Mas tenho uma desconfiança de que ela passa pela brilhante citação de Carl Jung:

“Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão. ”

terça-feira, 9 de junho de 2015

Os buracos na pista

Nossos caminhos são tortos porque se forem retos nos perderemos.

Nossos caminhos são tortos porque se forem retos perderemos o prazer de caminhar.

Nossos caminhos são tortos porque se forem retos desaprenderemos como andar.

Temos dois olhos e uma boca porque devemos prestar mais atenção antes de falar.

Nossos caminhos são tortos para que novas formas de fazer sejam descobertas.

Nossos olhares são para baixo porque o alto está alto demais para nós, e o meio não nos interessa.

Nossas mentes são intranquilas porque nossos pensamentos são caóticos, porém é a linearidade que é valorizada num mundo sem linearidade.

Nosso despertar de consciência é lento porque se for rápido não perceberemos a mudança.

Nosso despertar de atitude é lento porque se for rápido não o valorizaremos.

Nossas conquistas são árduas porque se forem fáceis não serão conquistas.

Nossas facilidades são muitas porque se assim não for, não serão facilidades.

Recebemos muitos nãos ao longo da vida para não perdermos o prazer pela busca do sim.

Ouvimos pouco o som dos pássaros porque aprendemos a valorizar os sons das buzinas.

Frente à necessidade do outro, o nosso pequeno universo de egoísmo se agiganta e se torna mais importante.

Nossa educação não nos ensina a criticar, para que o controle continue nas mãos de poucos.

O contexto nunca nos é dado, para que o texto fique sempre sem sentido.

Os nossos textos são sempre sem sentido porque o contexto sempre foi para poucos.

O ponto de interrogação faz parte de nossas vidas porque o de exclamação sempre será para poucos, muito poucos.

Nossas angústias mostram a nossa inconformidade pelas conquistas alheias.

Nossas inquietações mostram a nossa pequenez de nos preocupar com coisas tão pequenas.

Nossas ações de solidariedade mostram o nosso potencial de agigantamento que poderemos alcançar...se quisermos.

Nossa avidez por saber coisas do outro nos faz perceber nossos vazios.

Nossos caminhos são tortos porque se forem retos não perceberemos nada disto.

Nossos caminhos são tortos para que alguém nos coloque no lugar certo.

Nossos caminhos são tortos porque arrastamos a nossa cama para não consertarmos o nosso telhado.

Nossos caminhos são tortos porque amanhã chegará logo e assim fazermos depois.

Nossos pés ajudam a sustentar o peso do nosso corpo, mas quem olha para eles?

Nossos caminhos são tortos porque não queremos conhecer o vizinho, o porteiro e muito menos a pessoa que nos serve o café.

Nossos caminhos são tortos porque ainda teimamos em usar a expressão: “patrão e empregado”.

Nossos caminhos são tortos porque ainda acreditamos numa estrutura na qual um manda e muitos obedecem. Deixamos de perceber a riqueza que seria se trabalhássemos de forma linear e parceira.

Nossos caminhos são tortos porque muitos de nós achamos que o home office é coisa de estrangeiro. “Como vou controlar o empregado”?

Nossos caminhos são tortos porque temos um abismo que nos separa do outro.

Nossos caminhos são tortos porque construímos pontes apenas se fizerem sentido para o nosso caminho. Se não fizerem, que o outro construa a sua ponte.

Nossos caminhos são tortos porque o problema do outro não nos interessa, a menos que seja para satisfazer a nossa curiosidade.

Nossos caminhos são tortos porque aceitamos propinas, mas teimamos em querer dar um nome mais bonito para ela: “negociação”.

Vivemos no caos porque o caos nos alimenta, porém, o caótico é visto como louco.

Nossos caminhos são tortos porque aprendemos a obedecer e não a questionar.

Nossos caminhos são tortos porque, cedo demais, aprendemos o poder da subordinação.

Nossos caminhos são tortos porque o nosso agir adoeceu.

Nossos caminhos são tortos porque queremos o diploma e não o estudo.

Nossos caminhos são tortos para que sejam valorizados quando o alcançarmos.

Nossos caminhos são tortos, mas quando a vida nos coloca no caminho reto, damos um jeito de entortá-lo novamente.

Nossos caminhos são tortos porque não aprendemos a ser autônomos, mas sim obedientes. Sendo obedientes não somos punidos.

Nossos caminhos são tortos porque fomos criados no sistema “punição x recompensa”.

Nossos caminhos são tortos porque o simples e a retidão nos afligem.

Nossos caminhos são tortos porque, nos desvios da vida e do caminho, dou um jeito de limpar o meu dinheiro tão “honestamente” recebido.

Nossos caminhos são tortos porque a retidão não nos interessa. O que vou ganhar com isto?

Nossos caminhos são tortos porque escolhemos caminhos tortos para caminhar.

Nossos caminhos são tortos porque muitas vezes a nossa lágrima não é verdadeira.

Nossos caminhos são tortos porque o perdão não faz parte do nosso dicionário.

Nossos caminhos são tortos porque não aprendemos a questionar, mas sim a reproduzir modelos pré-estabelecidos por alguém.

Nossos caminhos são tortos porque não ajudamos a construí-lo.

Nossos caminhos são tortos porque fomos e somos ensinados a sermos competitivos e não a sermos solidários, éticos e colaborativos.

Nossos caminhos são tortos porque o que precisa não é discutido e o “não discutido” revela muitas coisas.

Nossos caminhos são tortos porque fizemos do sentido uma meta e não um modo de viver, um rumo.

Nossos caminhos são tortos porque confundimos informação com conhecimento com sabedoria, e não são a mesma coisa.

Nossos caminhos são tortos porque acreditamos nas mensagens das propagandas.

Nossos caminhos são tortos porque fortalecemos os nossos inimigos diariamente. Ou alguém acha que não tem?

Nossos caminhos são tortos porque não aprendemos a parar para conhecer e amolar as nossas ferramentas.

Nossos caminhos são tortos porque aceitamos sem questionar. “Sempre foi assim. ”

Nossos caminhos são tortos porque perdemos a nossa espontaneidade e aprendemos a nos deixar ser comandados e dirigidos.

Nossos caminhos são tortos porque fomos elogiados fazendo coisas que só adultos deveriam fazer, ao passo que deveríamos fazer, enquanto crianças, coisas de crianças. Brincar de amarelinha, por exemplo. E não está ultrapassado. Ultrapassado é quem pensa desta forma.

Nossos caminhos são tortos porque estamos muito preocupados com o formar e não com o transformar.

Nossos caminhos são tortos porque somos constantemente interrompidos pelo WhatsApp e pelo tablet.

Nossos caminhos são tortos porque perdemos a nossa combinação de propósitos: por que estou fazendo isto? O que estou fazendo? Com quem vou fazer isto?

Nossos caminhos são tortos porque sabemos muitas coisas, sabemos muito, mas estamos vivendo pouco.

Nossos caminhos são tortos porque ainda aceitamos o inaceitável.

Nossos caminhos são tortos porque acreditamos que as grifes nos representam.

Nossos caminhos são tortos porque nos achamos modernos, porém somos escravos da tecnologia.

Nossos caminhos são tortos porque não fomos educados a reconhecer o mal em nós.

Nossos caminhos são tortos porque escolhemos a maldade para nos representar durante bastante tempo. Fomos o último País a abolir a escravidão. E este é só um dos exemplos.

Nossos caminhos são tortos porque a conta chegou. Fomos, então, ao Banco fazer um empréstimo para pagarmos a conta, mas o Banco negou porque estamos numa crise criada por pessoas que nunca passaram por crises financeiras, por isto eles a criaram para nós.

Nossos caminhos são tortos porque somente desta forma nos reconhecemos.

Nossos caminhos são tortos porque a brincadeira de roda saiu de moda, e agora parece que está voltando.

Nossos caminhos são tortos porque a greve, a briga, a pancadaria, o quebra-quebra têm sido as nossas únicas formas de comunicação.

Nossos caminhos são tortos porque o diálogo, há muito não sabemos o que é.

Nossos caminhos são tortos porque há muito tempo a sabedoria deu lugar para o entretenimento.

Nossos caminhos são tortos porque a felicidade do outro me agride.

Nossos caminhos são tortos porque o acostamento e a fila dupla foram feitos para mim.

Enfim, a lista é grande.

Para chegar ao outro lado, é preciso sujeitar-se aos buracos, perfurações, ondulações, ciclo-faixas, ciclovias, ciclo-mais alguma coisa que está por vir...

Num dia destes, vi aqueles rapazes pintando uma ciclovia. De repente um deles parou a pintura porque havia um buraco numa parte da pista. Ao invés de ele sinalizar o buraco ou fazer algo sobre, ele contornou aquele buraco e continuou a pintar, ou seja, o buraco ficou ali, e a pintura da ciclovia continuou. Sei que você poderá dizer: “ah, mas os buracos são muitos. Se ele for parar a cada buraco...”.

Pensar que alguém poderá passar por lá e se machucar são outros quinhentos. O propósito é seguir o que me MANDARAM fazer, no caso, pintar a faixa. Se algo mais importante aconteceu que deveria chamar a minha atenção (o buraco na pista) deixa que o outro veja, isto não é problema meu.

Por estas e outras que nossos caminhos são tortos.

Difícil romper com aquilo que está estabelecido. É preciso coragem para interrogar e transformar a realidade. Mais fácil é deixar os buracos na pista...