imagem tirada da internet
A virada do ano é sempre
emocionante: muitos abraços, muitos beijos, muitos desejos de felicidades a
todos, muitos desejos de saúde, de sucesso, de paz. Enfim, muitos são os desejos
de realizações de coisas boas tanto para nós como para quem amamos.
Há muito dos muitos.
Talvez a frase que mais dizemos
é: “...que o próximo ano seja repleto de paz, saúde e realizações. Que seja um
ano maravilhoso...”. Como é bom ter este sentimento dentro de nós para compartilhá-lo
com quem amamos.
Mas a pergunta que faço é: por
que, logo após as comemorações e os desejos de coisas boas, voltamos a ver as
velhas notícias, os velhos hábitos, os mesmos problemas? Voltamos para a nossa
rotina como se nada tivesse acontecido? Voltamos a nos comportar como antes? E
aquelas promessas?
No dia dois deste mês, ao ligar a
televisão, o apresentador do Jornal dizia:
“E veja a seguir: confronto entre
policiais e integrantes do movimento Sem Terra na reintegração de terreno,
hoje, pela manhã. “ E veja também: “depredação de ônibus deixa feridos” e
“...os novos passos da Operação Lava-Jato...”
Quantas novas notícias...quantos
movimentos pela paz...quanta novidade velha...
Notícias velhas para o ano que se
inicia e que mal bateu à porta de cada um de nós.
Aonde estão aqueles desejos de
paz, de confraternização, de vontade de fazer o melhor? Será que depois da uma
da madrugada, após os cumprimentos, os velhos hábitos e os velhos costumes dão
as caras novamente?
O Papa Francisco, num discurso
ácido e provocativo, disse:
“...as festividades de Natal soam
falsas em um mundo que escolheu a guerra e o ódio. ”
E disse mais:
“Estamos perto do Natal: haverá
luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, (…) mas é tudo falso. O mundo
continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da paz. Existem
hoje guerras em toda a parte e ódio. (…) E o que resta? Ruínas, milhares de
crianças sem educação, tantos mortos inocentes. E tanto dinheiro nos bolsos dos
traficantes de armas. A guerra é a escolha de quem prefere as riquezas ao ser humano.
”
Independentemente da religião de
cada um, se é que a temos, acho que o discurso do Papa deve passar pela nossa
reflexão. Internamente, claro.
Sabemos que muitas mudanças não
estão nas nossas mãos. Que muitas das notícias ruins que ouvimos e que sabemos
não nos cabe julgar. Muitas vezes não teremos culpa, realmente, pelo mal
causado, pela comunicação torta, pela guerra. Mas, e sobre as outras mudanças a
que temos acesso? E sobre as outras atitudes que podemos e devemos tomar agora?
E sobre os velhos hábitos que
teimamos em não os mudar? Afinal, o errado é sempre o outro, não é? E o que
dizer sobre aqueles costumes perniciosos que temos, mas que nem percebemos o
mal que estamos fazendo ao outro?
Isto me faz acreditar que naquele
abraço de “Feliz Ano Novo” que demos e que recebemos, há um grande espaço de
realizações a serem feitas para que, de verdade, um Ano Novo Feliz aconteça.
Merecemos isto. Mas é preciso ir além do discurso. Dá trabalho claro, mas como
dizia o escritor: “como chegar ao céu sem morrer? ”
Sabemos que antes do objetivo, há
o processo, o caminho a ser percorrido.
Toda luta é legítima e bem-vinda.
Devemos lutar pelos nossos direitos, mas é imprescindível que saibamos, também,
as nossas obrigações.
Os Sem Terra podem lutar. Mas
será que precisam atear fogo em pneus e fazerem barricadas? Será que não existe
outra forma de mostrarem ao mundo que eles existem? Os pneus queimados e as
barricadas somente os distanciam da justiça social.
Os Policiais deveriam proteger e
não intimidar. Mas será que eles sabem disto? Quem deu a eles este poder que
acham que têm, mas que não deveriam? Penso este ser mais um dos nossos enganos.
Pedimos o fim da corrupção. Mas
estamos preparados para não pagarmos mais aquele cafezinho inocente? Afinal,
“se não for assim, a coisa não sai, não é mesmo? ”
O fim da corrupção significa
vivermos num País, num mundo sem corrupção. E viver num País, num mundo sem
corrupção significa que nestes lugares haverá, somente, pessoas éticas e
idôneas. E aí? E a gente com isto? Aonde estaremos num mundo como este?
E para não nos esquecer: queremos
o fim da corrupção, mas elegemos corruptos...
Pedimos igualdade social até a
segunda página... espera só alguém “meio esquisito” se sentar ao nosso lado, no
banco do metrô...
Acredito que todas estas
reflexões e mais algumas deveriam estar naquele abraço de “Feliz Ano Novo”, e
não somente dizer “Feliz Ano Novo” das 22h a uma da madrugada. Estamos
atrasados em nossas reflexões. Se ao menos o tempo parasse um pouco para
descansar...
Que a gente pare de se comparar
com o outro buscando o que nos falta. Não nos falta coisa alguma, apenas não
aprendemos a nos enxergar. O olhar interno não nos foi ensinado. O olhar
externo sim.
Precisamos aprender a usar bem o
nosso repertório de vitórias (porque o temos) para que ele nos ajude a
acreditar e a fazer um ano novo de verdade.
Que a gente confie mais na gente.
Independentemente da idade de cada um, já temos nossa biografia em andamento. Não
sei se ela é publicável, mas que a temos, temos...
Que no Ano Novo a gente acredite
menos em fronteiras morais e mentais, já que as físicas ainda estão difíceis de
serem transpostas.
Que a gente aproxime a teoria da
prática. Não é difícil.
Que a gente fale quando for
relevante, apenas. E não para que sejamos vistos e aplaudidos. Nem sempre o
aplauso será sincero e conveniente. Aliás questiono a necessidade de aplausos:
num mundo tão conturbado e exagerado, é de bom tom deixarmos a nossa vaidade
adormecida. Os aplausos poderão acordá-la e não sei se isto será bom.
Que a gente não acate tendências
como certezas. As tendências são relevantes como estudo, como sinais, como
possibilidades, como norte, porém não como caminho estabelecido.
Que a gente caminhe por caminhos
ainda não trilhados. Acredito que teremos mais chances de acertarmos.
Que se for para participar das
torcidas organizadas que não seja para praticar o terror, mas sim o amor à diversão.
Simples assim.
Enfim, para que o ano seja de
verdade feliz e novo, há muita coisa a ser feita e muita coisa apenas para dar
prosseguimento porque já estão certas.
Há muito mais o que fazer além do
abraço, dos cumprimentos e da comilança. Há muito mais o que fazer além da
eterna promessa de começarmos um regime.
É preciso arregaçarmos as mangas,
irmos para a cozinha, reunirmos os ingredientes e começarmos a receita. Aquela
que estava lá embaixo, na última gaveta do armário e que um dia você prometeu
que faria. Pois é, chegou a hora.
E quando você começar a sentir o
cheirinho do bolo assando no forno ou daquela torta, as coisas começarão a
fazer sentido. E certamente, mesmo com a cozinha ainda um caos, terá valido a
pena todo o esforço.
Quero finalizar este texto, mas
não a reflexão, com uma provocação do filme “Alice no País das Maravilhas”.
Nele, Alice e o pretendente dela, Hamsh,
conversam enquanto dançam. Após pensar em situações inovadoras, criativas e
dizer a Hamsh que tinha dúvidas,
recebe a seguinte resposta:
“Guarde a sua imaginação só para
você. Quando tiver dúvidas, fique em silêncio. Por que perder tempo pensando no
impossível? ”
Este é um conselho de uma pessoa
que, certamente, nos induz à inércia, ao padrão, ao estabelecido. Afinal, assim
dá menos trabalho para manipular, não?
Que a gente não guarde a nossa
imaginação só para nós: que a gente a utilize para melhorar a qualidade dos
nossos abraços e de nossas atitudes. E quando tivermos dúvidas (acredito que
seja sempre!), que a gente não fique em silêncio. Que a gente busque respostas.
E não as encontrando, que, pelo menos, a gente melhore a qualidade das nossas
dúvidas.
Acredito, de verdade, que este
seja um caminho ou uma forma de tornar possível um verdadeiro Ano Novo e, o
melhor de tudo, feliz e muito além da uma da madrugada...