terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Das 22 horas a uma da madrugada

imagem tirada da internet

A virada do ano é sempre emocionante: muitos abraços, muitos beijos, muitos desejos de felicidades a todos, muitos desejos de saúde, de sucesso, de paz. Enfim, muitos são os desejos de realizações de coisas boas tanto para nós como para quem amamos.

Há muito dos muitos.

Talvez a frase que mais dizemos é: “...que o próximo ano seja repleto de paz, saúde e realizações. Que seja um ano maravilhoso...”. Como é bom ter este sentimento dentro de nós para compartilhá-lo com quem amamos.

Mas a pergunta que faço é: por que, logo após as comemorações e os desejos de coisas boas, voltamos a ver as velhas notícias, os velhos hábitos, os mesmos problemas? Voltamos para a nossa rotina como se nada tivesse acontecido? Voltamos a nos comportar como antes? E aquelas promessas?

No dia dois deste mês, ao ligar a televisão, o apresentador do Jornal dizia:

“E veja a seguir: confronto entre policiais e integrantes do movimento Sem Terra na reintegração de terreno, hoje, pela manhã. “ E veja também: “depredação de ônibus deixa feridos” e “...os novos passos da Operação Lava-Jato...”

Quantas novas notícias...quantos movimentos pela paz...quanta novidade velha...

Notícias velhas para o ano que se inicia e que mal bateu à porta de cada um de nós.

Aonde estão aqueles desejos de paz, de confraternização, de vontade de fazer o melhor? Será que depois da uma da madrugada, após os cumprimentos, os velhos hábitos e os velhos costumes dão as caras novamente?

O Papa Francisco, num discurso ácido e provocativo, disse:

“...as festividades de Natal soam falsas em um mundo que escolheu a guerra e o ódio. ”

E disse mais:

“Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, (…) mas é tudo falso. O mundo continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da paz. Existem hoje guerras em toda a parte e ódio. (…) E o que resta? Ruínas, milhares de crianças sem educação, tantos mortos inocentes. E tanto dinheiro nos bolsos dos traficantes de armas. A guerra é a escolha de quem prefere as riquezas ao ser humano. ”

Independentemente da religião de cada um, se é que a temos, acho que o discurso do Papa deve passar pela nossa reflexão. Internamente, claro.

Sabemos que muitas mudanças não estão nas nossas mãos. Que muitas das notícias ruins que ouvimos e que sabemos não nos cabe julgar. Muitas vezes não teremos culpa, realmente, pelo mal causado, pela comunicação torta, pela guerra. Mas, e sobre as outras mudanças a que temos acesso? E sobre as outras atitudes que podemos e devemos tomar agora?

E sobre os velhos hábitos que teimamos em não os mudar? Afinal, o errado é sempre o outro, não é? E o que dizer sobre aqueles costumes perniciosos que temos, mas que nem percebemos o mal que estamos fazendo ao outro?

Isto me faz acreditar que naquele abraço de “Feliz Ano Novo” que demos e que recebemos, há um grande espaço de realizações a serem feitas para que, de verdade, um Ano Novo Feliz aconteça. Merecemos isto. Mas é preciso ir além do discurso. Dá trabalho claro, mas como dizia o escritor: “como chegar ao céu sem morrer? ”

Sabemos que antes do objetivo, há o processo, o caminho a ser percorrido.

Toda luta é legítima e bem-vinda. Devemos lutar pelos nossos direitos, mas é imprescindível que saibamos, também, as nossas obrigações.

Os Sem Terra podem lutar. Mas será que precisam atear fogo em pneus e fazerem barricadas? Será que não existe outra forma de mostrarem ao mundo que eles existem? Os pneus queimados e as barricadas somente os distanciam da justiça social.

Os Policiais deveriam proteger e não intimidar. Mas será que eles sabem disto? Quem deu a eles este poder que acham que têm, mas que não deveriam? Penso este ser mais um dos nossos enganos.

Pedimos o fim da corrupção. Mas estamos preparados para não pagarmos mais aquele cafezinho inocente? Afinal, “se não for assim, a coisa não sai, não é mesmo? ”

O fim da corrupção significa vivermos num País, num mundo sem corrupção. E viver num País, num mundo sem corrupção significa que nestes lugares haverá, somente, pessoas éticas e idôneas. E aí? E a gente com isto? Aonde estaremos num mundo como este?

E para não nos esquecer: queremos o fim da corrupção, mas elegemos corruptos...

Pedimos igualdade social até a segunda página... espera só alguém “meio esquisito” se sentar ao nosso lado, no banco do metrô...

Acredito que todas estas reflexões e mais algumas deveriam estar naquele abraço de “Feliz Ano Novo”, e não somente dizer “Feliz Ano Novo” das 22h a uma da madrugada. Estamos atrasados em nossas reflexões. Se ao menos o tempo parasse um pouco para descansar...

Que a gente pare de se comparar com o outro buscando o que nos falta. Não nos falta coisa alguma, apenas não aprendemos a nos enxergar. O olhar interno não nos foi ensinado. O olhar externo sim.

Precisamos aprender a usar bem o nosso repertório de vitórias (porque o temos) para que ele nos ajude a acreditar e a fazer um ano novo de verdade.

Que a gente confie mais na gente. Independentemente da idade de cada um, já temos nossa biografia em andamento. Não sei se ela é publicável, mas que a temos, temos...

Que no Ano Novo a gente acredite menos em fronteiras morais e mentais, já que as físicas ainda estão difíceis de serem transpostas.

Que a gente aproxime a teoria da prática. Não é difícil.

Que a gente fale quando for relevante, apenas. E não para que sejamos vistos e aplaudidos. Nem sempre o aplauso será sincero e conveniente. Aliás questiono a necessidade de aplausos: num mundo tão conturbado e exagerado, é de bom tom deixarmos a nossa vaidade adormecida. Os aplausos poderão acordá-la e não sei se isto será bom.

Que a gente não acate tendências como certezas. As tendências são relevantes como estudo, como sinais, como possibilidades, como norte, porém não como caminho estabelecido.

Que a gente caminhe por caminhos ainda não trilhados. Acredito que teremos mais chances de acertarmos.

Que se for para participar das torcidas organizadas que não seja para praticar o terror, mas sim o amor à diversão. Simples assim.

Enfim, para que o ano seja de verdade feliz e novo, há muita coisa a ser feita e muita coisa apenas para dar prosseguimento porque já estão certas.

Há muito mais o que fazer além do abraço, dos cumprimentos e da comilança. Há muito mais o que fazer além da eterna promessa de começarmos um regime.

É preciso arregaçarmos as mangas, irmos para a cozinha, reunirmos os ingredientes e começarmos a receita. Aquela que estava lá embaixo, na última gaveta do armário e que um dia você prometeu que faria. Pois é, chegou a hora.

E quando você começar a sentir o cheirinho do bolo assando no forno ou daquela torta, as coisas começarão a fazer sentido. E certamente, mesmo com a cozinha ainda um caos, terá valido a pena todo o esforço.

Quero finalizar este texto, mas não a reflexão, com uma provocação do filme “Alice no País das Maravilhas”. Nele, Alice e o pretendente dela, Hamsh, conversam enquanto dançam. Após pensar em situações inovadoras, criativas e dizer a Hamsh que tinha dúvidas, recebe a seguinte resposta:

“Guarde a sua imaginação só para você. Quando tiver dúvidas, fique em silêncio. Por que perder tempo pensando no impossível? ”

Este é um conselho de uma pessoa que, certamente, nos induz à inércia, ao padrão, ao estabelecido. Afinal, assim dá menos trabalho para manipular, não?

Que a gente não guarde a nossa imaginação só para nós: que a gente a utilize para melhorar a qualidade dos nossos abraços e de nossas atitudes. E quando tivermos dúvidas (acredito que seja sempre!), que a gente não fique em silêncio. Que a gente busque respostas. E não as encontrando, que, pelo menos, a gente melhore a qualidade das nossas dúvidas.

Acredito, de verdade, que este seja um caminho ou uma forma de tornar possível um verdadeiro Ano Novo e, o melhor de tudo, feliz e muito além da uma da madrugada...