Nossas dores
medicadas. Nossas dúvidas domesticadas. Nossos sofrimentos estão íntimos dos
especialistas. Menos nós. Os passos que damos percorrem trilhas conhecidas
porque perdemos as ferramentas que nos davam acesso às novas trilhas.
Um executivo, no
LinkedIn, escreve:
“Só me permito
chorar até 24 horas. Depois disto, arregaço as mangas e vou à luta.”
De onde vem a
ideia de acharmos que podemos controlar o tempo que choramos? Por que até 24 horas? Seremos punidos se
chorarmos 25 horas? Quem determina o tempo do nosso sofrer? Há um tempo
determinado para o cessar do sofrer?
Perguntas sem
respostas. Ainda bem. Porque as respostas que estamos dando à vida não têm sido
das melhores.
Temos sido
afetados por este relacionamento doentio que travamos conosco. A tirania da
felicidade. A ausência de problemas. A publicação de sorrisos constantes como
se eles fossem permanentes e reais em nossas vidas. A dor como intrusa num
mundo que nos faz acreditar que aquele que finge é. Um mundo no qual o choro
caiu de moda e a imposição do empoderamento se tornou uma falácia verdadeira.
Aquele que mente, mas que sustenta uma rede de falsos vencedores, ganha espaço.
Um mundo no qual
a lentidão mostra a falha e a rapidez esconde a falha. Por isso, o tempo do
choro não tem espaço. É preciso rapidez para chegar aonde não sabemos. Uma
rapidez para atingirmos lugares que nos obrigarão a voltar e a refazer a
estrada que, de tantos buracos e imperfeições, se tornou nossa velha
desconhecida.
Choramos mesmo
sem lágrimas escorrendo no nosso rosto. Gritamos sem falar. Sofremos sorrindo.
Temos medo, mas fazemos de conta que ser humano caiu de moda. Camuflamos o
nosso choro porque alguém um dia disse que não podemos chorar. E pior: que o
choro é para os fracos. Será?
A nossa grande
fraqueza é nos fazer fortes. A fraqueza é uma das características do ser
humano. É o que nos humaniza e nos identifica. Quanto mais força mostramos
sobre temas e assuntos cuja dor é iminente, mais fraqueza mostramos.
Isto não
significa fazermos apologia à tristeza, uma ode ao choro. Mas apenas uma
reflexão do motivo de insistirmos na indelicadeza de escondermos algo tão
escancarado que vai em nós: a dor. E o choro é apenas a representação dela.
Nossos
bastidores nos revelam e ajudam a esconder as lágrimas escondidas em cada uma
das nossas curvas e esquinas. Uma foto publicada no Instagram não, necessariamente, denuncia a verdade. No entanto,
evidencia algo muito mais importante para o nosso espetáculo: a aparência.
Enquanto fingimos que sabemos, o outro finge e não pergunta.
A cada
descoberta que fazemos na vida, os nossos desdobramentos se mostram. E aí,
quando menos esperamos, as lágrimas caem e nos desmascaram. Geralmente são
silenciosas porque, por si só, dizem muito. Os silêncios que elas revelam devem
ser escritos e são cheios de significados. Como o silêncio das nossas lágrimas se
comunicam conosco?
A força de
alguém não é medida pela ausência de dor. Mas sim, pela capacidade de
demonstrá-la e de, acima de tudo, vivê-la. Nossa força é medida pela nossa
condição de sustentar o nosso choro e de ouvi-lo, obrigatoriamente. Ele nos diz
muito, mas o sufocamos com nossos sorrisos que nem amarelos ficam mais.
Arregaçar as
mangas, como disse aquele executivo, não é sinônimo de força. O contrário: é
uma evidência de ostentação de um bem que ainda não se tem, e de uma arrogância
por se entender como uma pessoa que acha que tem o controle absoluto do que
sente, do que vai nas próprias gavetas e recreios que o sustenta.
Não somos uma
fortaleza: somos uma fragilidade buscando uma força. O que é bem diferente.
Camuflamos o
choro para não o ouvir e assim o desprezamos. Afinal, o que de tão importante
ele tem a nos dizer? Consideramos perda de tempo vivê-lo. Pobres arrogantes.
Apenas vivendo-o seremos capazes de apreciarmos, verdadeiramente, o sorriso.
Apenas o trazendo como relevante em nossas vidas e dedicando tempo a ele (mesmo
que sejam mais de 24 horas) é que a vida começará a fazer sentido.
Como determinar
um tempo para o choro? Como determinar um tempo para o sofrer? Por que a
resistência em descer em nós e conhecer o que vai ali? É preciso descer se
quisermos subir. É preciso chorar para conhecer o riso. Não precisaríamos, se
fôssemos um pouquinho menos pretensiosos. Mas como não somos, é preciso uma
passadinha nos contrários para compreendermos. Se não, ficaremos na superfície,
no raso, no exterior, lugares que de longe nos mostrarão quem somos.
O abrir de portas ao autoconhecimento é
fundamental se quisermos nos tornar pessoas melhores em todos os sentidos. E o
choro é um exemplo de abrir de portas.
Aceitar o
convite do autoconhecimento é um divisor de águas em nossas vidas. Quando
decidimos nos conhecer, além de ser um caminho sem volta, louros e dificuldades
nos aguardarão logo ali, atrás da porta. Descobrimos coisas maravilhosas a
nosso respeito, mas as descobertas indigestas também darão a honra da presença.
E nesta hora, o que fazer com isto? Ouvir o nosso choro será um caminho
possível.
A abundância
precisa ser um valor. E o sofrer é uma forma de abundância que vai em nós. Nela
há muito de nós, de quem somos e, principalmente, de quem achamos que somos. Se
não valorizarmos a abundância que vai em nós, tenderemos ao desperdício. E o
que é o desperdício que não uma rede lotada de amigos virtuais que não nos conhece? Ou um limitar do sofrer porque
temos vergonha dele? Um choro interrompido porque ele perdeu o espaço na nossa
agenda. Um desperdício de tempo e de não ouvir o que ele tem a nos dizer.
Um desperdício
que é refletido pela nossa insuficiência moral. Não há desperdício na natureza.
Em nós, há. Quem desperdiça é porque tem o que desperdiçar.
Desperdiçamos o tempo para ouvir o nosso
choro porque precisamos mostrar um falso sorriso para aqueles que pouco ou nada
se interessam por nós.
O choro é
bem-vindo e natural: um choro de alegria, de tristeza, de raiva, de saudade daqueles
que foram e que nos são tão caros. Devemos nos orgulhar do nosso choro porque
nele há a nossa assinatura e a história de quem somos. E ele é quem dirá o
tempo de existência. Por fazer parte da nossa natureza, certamente ele irá
embora quando chegar a hora. O contrário de nós, na natureza, não há
desperdícios.
Quero encerrar
este texto, mas não a reflexão, com dois pensamentos que nos convidam a
avançar. O primeiro, um pensamento irônico de Carlos Drummond de Andrade, que
diz:
“Um dia desses
eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo
de chorar.”
Uma ironia para
os tempos contemporâneos. Chorar caiu em desuso. Tristeza é para os fracos. Nossa
agenda e tempo devem, apenas, servir o que produz e dá resultados. Ouvir o que
o choro e a tristeza têm a nos dizer não nos interessa. Delegamos para um
especialista que, afoito pela próxima consulta, medicará a nossa dor. O choro
perdeu espaço na nossa sociedade do fast. Estamos correndo tanto, mentindo
tanto, fugindo tanto, ansiando tanto que logo ali nos encontraremos, todos na
mesma antessala, correndo para uma aula de mindfulness
em busca de esvaziamento da mente que ajudamos a entulhar, principalmente,
pelas ausências em nós.
E o segundo
pensamento de William Shakespeare,
que diz:
“Chorar é
diminuir a profundidade da dor.”
Não é à toa que Shakespeare é um dos autores mais lidos,
estudados e encenados do mundo. Quem diz isto abre espaço para o choro na
própria vida. Uma atitude dos sábios e daqueles que já compreenderam que o
choro, o contrário do que pensam os tolos, é, de verdade, uma poderosa ferramenta
para diminuir a nossa dor.
A medida que o
choro vai sendo acolhido e ouvido, nossas dores diminuem porque vamos clareando
o nosso estado de impermanência e de inconstância diante à vida. Permitir que o
choro identifique as nossas fragilidades, durante
o tempo que for necessário, isto sim, é sinal de força, muito além de um
arregaçar fútil de mangas de camisas amarrotadas.