Fernanda
Montenegro diz algo muito curioso: “você não enxerga os alfinetes quando você
não os está procurando. A partir do momento que você decide ver
alfinetes, começa a prestar atenção em alfinetes ou a procurá-los,
muitos deles surgem.”
Na verdade, os alfinetes
sempre estiveram lá. Nós é que não os víamos. Quando começamos a dedicar a
nossa atenção a determinadas coisas, me parece que elas começam a ser vistas.
Uma conclusão óbvia, até sem sentido. No entanto, um óbvio que não foi
percebido por nós porque, certamente, estávamos em outro lugar quando os
alfinetes cruzaram o nosso caminho. Se eu perguntar a você quantos clipes você
encontrou hoje, saberia a resposta? Mas eles estavam lá, no trajeto no qual
você caminhou. Apenas não foram vistos por você. Portanto, as coisas passam a
ser vistas e percebidas por nós a partir do momento que iniciamos a procura por
estas mesmas coisas. Uma procura para compreendê-las, entendê-las ou, até
mesmo, para discordar delas.
O essencial é
saber interagir e dialogar com o que encontramos no nosso caminho.
“Estou
fazendo a minha parte” é uma colocação que tenho ouvido bastante. E aí me
lembrei da reflexão da Fernanda Montenegro: será que tenho ouvido muito esta
frase porque as pessoas estão, de fato, falando mais isso, ou será que eu não a
ouvia quando ela era dita? Será que estas falas começaram a ser ditas agora ou
simplesmente eu não prestava atenção ao serem ditas? Difícil responder a esta
pergunta. Mas é preciso refletir sobre.
Se agora os
alfinetes são vistos por mim, preciso será entender e compreender porque eles
possuem eco dentro de mim. Por que eu os busco. Tanto os busco que os
encontrei. Talvez se eles não fizessem um cenário, em mim, eu não os teria
visto, não os teria buscado.
Se agora
localizo os clipes no meu caminho é porque algo eles têm a me dizer que tanto
posso gostar ou não. Mas a interação é inevitável. Se assim não fosse, por que passei
a percebê-los se eles estavam lá, no mesmo lugar onde sempre estiveram? Enquanto
estavam quietos e mansos não me incomodavam. Não me exigiam contato. Agora os
percebo e este perceber exige uma fala minha com eles, e vice-versa.
Pensando sobre
esta frase que tenho ouvido bastante exatamente porque tenho refletido sobre
ela, o primeiro incômodo que me ocorre é quanto à incongruência dessa
colocação: como dizer que estamos fazendo a nossa parte se nem ao menos sabemos
qual é a nossa parte? E se, hipoteticamente, soubéssemos qual é a nossa parte,
como saber se ela está sendo feita? Uma incongruência e incoerência sem precedentes.
E o segundo incômodo é quanto à nossa insistência em nos reafirmar como à parte
de tudo o que nos acontece. Fazemos. Os outros é que não fazem. Por isso,
estamos com problemas de todas as ordens.
Estou fazendo
a minha parte.
Esta frase, que
tanto tenho ouvido exatamente porque há muito tenho pensado sobre ela, me fez
refletir. E o mais importante de uma reflexão é a lentidão de que ela necessita
para agir.
Uma reflexão precisa
ser lenta, morosa e com uma dinâmica bem distinta da nossa, cuja rapidez,
velocidade e ausência do pensar a identificam. Na lentidão, uma das
características da reflexão, as falhas aparecem e somos obrigados a parar e a
mergulhar se quisermos saber. A reflexão é fundamental se quisermos compreender
porque os alfinetes e clipes surgem no nosso caminho e compreender porque, hoje,
passei a enxergá-los. Sem esta reflexão, dificilmente subiremos os nossos
degraus.
Refletir é o
caminho para sermos artesãos de nós mesmos. Uma construção manual, porém,
sólida.
Na rapidez, uma
das características da nossa insensatez, as falhas são escondidas. Passam
despercebidas. Nossas aparências, aqui, são muito mais importantes e tomam o
espaço que, antes, mostrava os erros e as falhas. Como eles pouco nos
interessam, foram obrigados a cederem os seus espaços para outros visitantes.
Ter pressa é o
caminho mais rápido para a irrelevância. Apressar uma construção é começar a
destruí-la. Ser rápido sem critério e sem sentido nos fará, talvez, realizar o
nosso sonho. Mas de tão rápida que foi esta construção, não será possível mais
reconhecer o nosso sonho após realizado. Triste será realizar um sonho sem
poder reconhecê-lo, parafraseando Dostoyevski. Na rapidez, um caminho
apressado que nos privará do que poderíamos ter sido.
Nossos bastidores
nos revelam, mas também ajudam a esconder. Reflexão e rapidez: dois caminhos.
Duas possibilidades. Duas hipóteses. Para trilhá-los, somente fazendo escolhas.
Somente nos responsabilizando pelos alfinetes que escolhemos ver e também pelos
clipes que escolhemos não ver, não dedicar atenção.
A cada
descoberta que fazemos na vida, os nossos desdobramentos vão se mostrando. Descobrimos os silêncios que vão escritos e
cheios de significados, em nós. Nossas gavetas e nossos recreios nos sustentam.
Nossas gavetas entulhadas de reflexões. Nossos recreios repletos de pressa.
O abrir de portas ao autoconhecimento é
fundamental se quisermos nos tornar pessoas melhores em todos os sentidos.
Aceitar este convite para este caminho sem volta, onde louros e dificuldades
nos aguardarão logo ali, atrás da porta, com risos e indigestões.
Estou fazendo
a minha parte.
A abundância
precisa ser um valor. Uma abundância do pensar, do agir e do refletir. Caso
contrário, a tendência será o desperdício que é refletido pela nossa
insuficiência moral.
Estou fazendo
a minha parte reflete enorme ênfase no curto prazo que nos lembra sermos
uma sequência de rupturas e de contradições, o que dificulta a construção clara
de qual é o nosso projeto. Qual é o nosso todo? Não sabemos. Não sabemos porque
não nos olhamos mais. Somos segmentados na nossa construção. Fomos educados
para um olhar pontual e não global. E isto nos impede de enxergarmos o que vai
no nosso caminho mesmo que seja para desconstruí-lo.
Estou fazendo
a minha parte reflete uma dor que vai em nós. Uma dor não ouvida, não
sentida em sua plenitude. E é preciso tempo de ter tempo para as nossas dores.
Caso contrário, sempre estaremos encostando a nossa escada na parede errada e
achando, com isso, que estamos fazendo a nossa parte. Se respirarmos a
nossa própria presença e aquilo que vai dentro da gente, nossas propostas
abertas encontrarão as respostas.
O mundo pede
outros papéis. Os vigentes já deram a sua contribuição. Eles, sim, já fizeram a
parte deles. É preciso pensar na falta de existência que estamos exercendo na
vida. Existir não é passar pela vida. É vivê-la. Uma conversa franca com a
gente e com a vida. Precisamos aprender a ficar o máximo no agora que é aonde o
tempo tem sua existência em horas. A nossa conversa deve ser aqui para que a
gente aprenda a acessar os nossos silêncios e, a partir disso, provocar as
nossas atitudes.
Quero encerrar
este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Confúcio, Filósofo Chinês
que viveu 500 a.c., que diz:
“Não procuro
saber as respostas, mas compreender as perguntas”.
Quanta sabedoria
dita há tanto tempo e com valor vigente e atemporal. Quando buscamos respostas,
nos cerceamos. Quando compreendemos as perguntas que a vida nos faz, ampliamos
a nossa percepção sobre nós e sobre tudo o que nos cerca. E por isso, passamos
a perceber mais os alfinetes, os clipes, frases como estou fazendo a minha
parte e outros adereços relevantes presentes em nossos caminhos e estradas,
como um convite da vida para, de posse deste repertório, sermos os autores das
nossas perguntas, e não mais o público.
Neste dia,
teremos atingido, finalmente, o patamar da alta-costura em nós mesmos.