terça-feira, 25 de abril de 2017

A inconveniência do acerto

Há alguns dias, a atitude do jogador do time São Paulo, Rodrigo Caio, ocupou muito espaço nos noticiários esportivos. Espaço demais. Num determinado momento, quando o juiz penalizava o jogador do time adversário por meio do cartão amarelo, Rodrigo Caio tomou à frente e assumiu a responsabilidade do ato. “Fui eu, fui eu”...ele disse. E aí, o juiz cancelou o cartão amarelo e o jogo seguiu.

Para aqueles que adoram diminuir as boas atitudes alheias, poderiam dizer: “não sei se ele faria isto se fosse um jogo decisivo, um clássico, se fosse prejudicar o time”. Pois é, era um jogo decisivo (não no sentido literal, mas baseado no contexto), era um clássico e o time do Rodrigo Caio se complicou, e muito, com o resultado desse jogo. Portanto, para os que adoram desvalorizar a atitude alheia, será preciso buscar outros argumentos.

Além destas pessoas, pudemos conhecer e nos identificar com outros grupos de pessoas que surgiram e se manifestaram sobre este assunto:

- o grupo que entendeu que o jogador que assumiu a responsabilidade foi um tolo. Afinal, jogo é jogo e vale tudo para ganhar o campeonato. “Estes erros fazem parte do jogo. Não dá para você ficar tendo este tipo de atitude como a do Rodrigo Caio. Isto prejudicou o time. ”

- o grupo que aplaudiu a atitude do jogador. Este grupo entendeu que o comportamento dentro de um campo de futebol reflete a educação, o externo, o social. Atitudes como esta é que contribuem para a formação de um mundo digno e ético.

- o grupo que não se posicionou, aliás, se posicionou: ficou sobre o muro. Ora acreditou que esta atitude torna o mundo um melhor lugar para se viver, ora acreditou que a conversa é mais complexa do que, simplesmente, levantar a mão e dizer: “fui eu”. Que há outras questões envolvidas como: hipocrisia, infantilidade, demagogia, querer aparecer e outras coisas.

De qual lado estamos? A qual grupo pertencemos? Num primeiro momento, isto se trata de uma reflexão pessoal. Cada um de nós sabe, perfeitamente, a qual grupo pertence. Mas num segundo momento, a reflexão pessoal fica para trás e o resultado de nossas escolhas influencia todo o demais, todo o contexto.

Saber a qual grupo pertencemos e, principalmente, assumirmos as consequências e os resultados do grupo a qual pertencemos será imprescindível se quisermos, de verdade, entendermos a nós mesmos e ao mundo no qual vivemos.

O terceiro grupo que citei, os que ficaram sobre o muro, disseram que “no futebol”, é diferente. Não dá para dizer que “só porque eu não falei que o erro foi meu, não quer dizer que sou um mau caráter, um mau cidadão lá fora. ”

Como assim “no futebol”? Por que lá é diferente? Como assim “só porque eu não falei”?

Diminuímos a importância do erro quando ele é cometido por nós. Assim a dor da culpa perderá a intensidade, e o peso da consciência será facilmente carregado naqueles carrinhos que são levados à feira, num dia chuvoso. Mas quando a culpa é do outro...

Padrão de conduta justo e sistema vigente sustentável deveriam ser a base da nossa construção. Mas infelizmente o nosso padrão e o nosso sistema vigente conversam e se confundem, diretamente, com a corrupção, com a leviandade e com a falta de ética.

Por isso, quando alguém faz a coisa certa e, pior, assume o erro, desconfiamos e estranhamos. Chama a nossa atenção exatamente porque este não é o nosso padrão e a base de nossas atitudes. Mas deveria ser. Acostumamo-nos ao jeitinho, ao benefício sem sacrifício, à manipulação, ao levar vantagem, ao se dar bem. Muitas coisas e ações foram e têm sido construídas sobre bases tortas. Portanto, quando qualquer coisa escapa ao esquema, chama a atenção e é motivo de monopólio nos noticiários, como foi este o caso.

A base da nossa educação é a competição e não a colaboração. Triste constatação. Fomos educados para entregarmos números e resultados, e não para entregarmos descobertas de processos e de caminhos para, aí sim, chegarmos aos números e aos resultados. Os números e os resultados precisam ser entregues, mas não a todo custo.

É preciso disposição para percorrermos os caminhos descobertos e reinventá-los.

É preciso atenção ao caminho sustentável, ao caminho mais longo. Mas valorizamos o caminho mais curto, o resultado imediato. Afinal, o jogo tem somente noventa minutos.

Triste pensar que este acerto foi um incômodo, um atrapalho. Um bem que causou males. Um acerto inconveniente como aquela visita que chega sem avisar, entra na nossa casa com os sapatos sujos da rua, não lava as mãos e ainda fica para o jantar sem ter sido convidada.

É como se o acerto nos incomodasse. É uma inconveniência. Um desajuste. O bem nos traz certos transtornos, em nossa sociedade. Não sabemos lidar com ele. Ele nos coloca num lugar desconfortável. O justo, o correto nos colocam em cadeiras lisas e retas cuja máxima, “mas eu não sabia”, está em desuso há tempos. Mas esta máxima nos cabe tão bem! É, de verdade, uma pena não podermos usá-la mais com tanta frequência a que estávamos acostumados.

A atitude deste jogador causou polêmica porque não temos uma visão de quem somos. Muitas coisas ainda não estão claras para nós. Somos seres imperfeitos, incompletos. A nossa essência é a incompletude. E não sabemos lidar com isto. Ainda temos dúvidas sobre o que é o bem e o mal. Estamos tão arraigados no mal, que quando alguém faz o bem, o chamamos hipócrita e demagogo. Pode até ser demagogia e hipocrisia. Mas por que esta tem sido sempre a nossa primeira opção?

É preciso entendermos o problema para podermos buscar a solução.

Fazer o bem com tantos olhares ainda no mal nos causa a impressão de que aquele bem era falso, mentiroso. É como se ele não merecesse o nosso crédito. Estar no bem e fazer o bem é, de certa forma, olhar para o futuro acreditando que ele existe. E olhar para o futuro com uma crença positiva é pretensioso para nós.

Mais que uma atitude dentro do Futebol, o que aconteceu nos serve para percebermos a nossa realidade e não apenas pensarmos sobre ela. Quando a nossa realidade é, verdadeiramente, percebida, criamos autonomia e liberdade para desconstrui-la e recriá-la.

Somos todos os grupos que se posicionaram a respeito deste tema, que é muito maior que uma partida de futebol. Somos o grupo que apoiou, somos o grupo que não apoiou e somos o grupo sentadinho, lá, sobre o muro, mas que a vida está fazendo o convite para descermos e descortinarmos os nossos saberes.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma belíssima passagem da música Eclipse, da banda Pink Floyd, que diz:

“And everything under the sun is in tune. But the sun is eclipsed by the moon. There is no dark side of the moon really. Matter of fact it's all dark. ”

Que significa:

“E tudo sob o sol está em perfeita sintonia. Mas o sol está coberto pela lua. Não há um lado escuro na lua, na realidade. Na verdade, ela é toda negra. "

Ou seja, somos aquele que mostra e aquele que esconde. Aquele que acalma e aquele explode. Aquele que ajuda e aquele que atrapalha. Enquanto o sol está alto, vamos nos equilibrando nas cordas que nos são mais convenientes e sustentáveis ... para nós. O brilho do sol, às vezes, camufla as nossas escolhas seja para o grupo a, b, c ou d. E assim, vamos aparentando quem não somos e acreditando em inverdades contadas por nós mesmos.

O brilho do sol sugere uma falsa perfeição, um ofuscamento que dificulta enxergar a qual grupo o outro pertence porque nem nós mesmos sabemos aonde estamos, muitas vezes. Mas ao chegar da Lua, com sua monótona palheta de cores acinzentadas, tudo é esclarecido e posto sobre a mesa. As cordas para nos equilibrarmos são as mesmas para todos e o ofuscamento do sol, que dificultava a nossa visão, já não existe mais. A visão é clara e podemos nos enxergar, como verdadeiramente somos. E nesta hora, saberemos, com absoluta clareza, a qual grupo pertencemos.

E ao descobrimos quem verdadeiramente somos, que a gente não se acovarde, mas também não fique satisfeito. Porque os satisfeitos e os covardes são sempre os primeiros a se retirarem. Que sejamos o meio do caminho, para que possamos valorizar a nossa travessia, como disse Guimarães Rosa, e assim, chegarmos firmes a um lugar que terá sido construído por nós mesmos, por meio de acertos que, agora, não mais nos incomodarão.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Falar...........................................................................Fazer

O distanciamento que há entre as palavras do título deste texto é proposital. Ainda há um abismo entre o que falamos versus o que fazemos. Mas por quê?

imagem tirada da internet

O fazer nos expõe, mostra quem somos, não há como driblar o outro. O nosso realizar evidencia as nossas crenças, os nossos valores, os nossos objetivos. E o que é mais difícil: o nosso fazer exige grande esforço de nossa parte. A realização, mesmo que haja a participação do outro, é, em grande parte, tarefa nossa e intransferível.

O falar também nos expõe e também evidencia quem somos. Afinal, uma fala diz muito sobre nós. Mas é só. Podemos ficar parados, sem grandes consequências. Depois de um tempo, as pessoas não se lembrarão mais do que dissemos e, mesmo que se lembrem, não terão todos os detalhes de nossa fala. E, portanto, dificilmente seremos cobrados.

O fazer conclui e mostra a obra. O falar inicia e está desvinculado da entrega. Nem sempre aquilo que falamos, fazemos. Mas sempre aquilo que fazemos está posto. Não há formas de retroceder. O fazer imprime uma marca; o falar imprime falácias.

Falar e fazer são duas distintas realidades praticadas por todos nós, todos os dias. Mesmo que não percebamos. Falar nos permite estar sempre presentes, sempre entregando algo. O falar nos presenteia com a visibilidade, com o efêmero, com o hoje, com o rápido. O falar nos coloca, rapidamente, numa evidência que, até ontem, não tínhamos.

Obviamente que o nosso falar também é carregado de responsabilidade. Muitos de nós já conseguem falar e fazer representar a base da vida. Muitos já prestam atenção ao que dizem e se preocupam, sim, com a coerência da entrega versus a fala. Para estas pessoas, o distanciamento que há no título é, apenas, um recurso didático e lúdico. Mas ainda a maior parte de nós constrói e reforça, diariamente, este distanciamento entre o falar e o fazer.

O falar supre a nossa necessidade de estarmos, sempre, em evidência. Falamos, falamos, falamos e assim vamos pertencendo, vamos entregando, vamos participando, vamos evidenciando nossas pequenezas, sem muitas pretensões de sermos pessoas melhores. E neste gerúndio, vamos diminuindo as nossas chances de crescermos. Esta pseudorrealização nos afasta do que é preciso ser feito. O pertencer, o entregar, o participar devem ser precedidos de responsabilidade e de sensatez. Enquanto falamos, ficamos com a falsa sensação de realização, sem nos apropriarmos do que verdadeiramente importa. E desta forma, vamos enchendo o mundo com as nossas falácias, vamos ocupando espaços mortos e realizando coisas dispensáveis e descartáveis.

Falar ocupa mais espaço que o fazer, mas não deveria ser assim.

Falar dá mais audiência do que o fazer, mas não deveria ser assim.

O falar é barulhento. O fazer é silencioso.

Ninguém, ou quase ninguém, confere se uma fala é verdadeira ou não. Muitas vezes nem há como verificar esta veracidade. O que mostra a veracidade da nossa fala é o nosso fazer. E isto demanda tempo, paciência e planejamento. E tempo, paciência e planejamento são artigos de luxo num mundo como o nosso. Isto explica um pouco o excesso de falares, a ausência de fazeres, e a nossa incrível crença em falácias e em barulhos que, de longe, lembram uma fala bem construída, original e responsável.

Atendemos as nossas necessidades de visibilidade e de vaidade quando falamos. Falamos coisas bonitas, muitas vezes, éticas, corretas e, assim, vamos pintando em nós mesmos uma falsa aparência de quem não somos. Como os outros também estão preocupados com suas próprias aparências, acabam não tendo tempo de verificar se o que falamos procede ou não. Se estamos sendo coerentes, por meio do nosso fazer, com a nossa fala.

Fazer implica compreender a nossa dimensão de incompletude. Somos incompletos, imperfeitos, tortos. A completude e a perfeição estão a nossa disposição. Mas quem se habilita a caminhar em direção a elas? Nossa imperfeição é produtora dos nossos conflitos. Por isso o nosso fazer é tão complexo e complicado. Difícil e procrastinado por nós até o último momento. Enquanto pudermos disfarçar e não tomarmos contato com as nossas questões, a vida vai se desenhando em linhas tortas criadas por nós mesmos.

Fazer é abrir a maleta de ferramentas e descobrir, dentro da gente, que não há a ferramenta que precisamos. E aí, num difícil ato de humildade, deveremos recomeçar e pedir ajuda ou, no mínimo, emprestarmos a ferramenta de alguém que começou a fazer o caminho há mais tempo que nós. O fazer não nos dá a mesma satisfação do falar porque não nos diz aonde está a verdade. Vamos ter de buscá-la. O falar nos dá falsas pistas sobre a verdade. E como somos crianças, acreditamos.

O falar nos dá a falsa sensação de pertencimento. É muito mais fácil falar. Não dá tanto trabalho assim. Falamos o que convence, o que o outro quer escutar, o que vende, o que é politicamente correto, o educado e o ético. A fala nem sempre é carregada da responsabilidade, da realização e do fazer. Mas deveria ser. Falar e não fazer é, no mínimo, leviano. Ocupamos tempo e espaço que não nos pertencem. E assim, vamos poluindo o mundo e sendo poluídos pelos nossos pares.

Trabalhei numa empresa, na área de Pessoas, e o Vice-Presidente desta área dizia que adorava liderar pessoas, e que, um verdadeiro Líder, deveria ser próximo da equipe. Ao dizer isso, foi elogiado e acreditado por muitos. Uma fala perfeita. O contraditório, é que, durante os cinco anos em que estive nesta área, ele esteve conosco, fisicamente, apenas duas vezes. E, mesmo de longe, raramente liderava e se envolvia nos assuntos ligados a Pessoas.

Logicamente que a presença física nem sempre é sinônimo de proximidade e vice-versa. Mas, para ele que dizia adorar liderar pessoas e categoricamente afirmava que estar próximo era um dos itens da boa liderança, certamente nos serve de belo exemplo de falácia e de fazer barulhos improdutivos, desnecessários e insignificantes. Mas o que ele fazia lá, então? Isso é assunto para outro texto, mas arrisco dizer que ele ali estava porque foi colocado por outras pessoas que também tinham o falar bem distanciado do fazer.

É preciso, portanto, atenção às nossas falas, assim como saber a proximidade e/ou a distância que estão de nossas atitudes e de nossos fazeres.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Paulo Freire, que diz:

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática. ”

Que os espaços entre o falar e o fazer diminuam por meio da nossa ação. E nos espaços vazios que ficarem, possamos preenchê-los com a nossa mais bela essência da realização.

terça-feira, 11 de abril de 2017

A pressa que nos atrasa

Há alguns anos, pesquisadores da área educacional fizeram a seguinte experiência com crianças de diversas nacionalidades: pediram para elas se sentarem próximas às mesas e aguardarem, pacientemente, um doce que ganhariam. E assim foi feito. Os pesquisadores deram um doce a cada uma delas e disseram:

- A partir deste momento, quem quiser, pode comer o doce que ganhou. Mas quem esperar até amanhã para consumi-lo, ganhará outros dois doces para compensar a espera. Vocês escolhem. E assim, os pesquisadores se retiraram da sala e ficaram observando as crianças.

Ao fim da experiência, os pesquisadores notaram que poucas foram as crianças que aguardaram o dia seguinte. Mesmo com a certeza de que receberiam mais doces no dia seguinte, o prazer imediato falou mais alto, em detrimento do prazer de longo prazo.

Esperar até amanhã é muito tempo para aquele que duvida da vida.

Em conversa com os responsáveis pela educação das crianças que optaram por esperar o dia seguinte, os pesquisadores descobriram, nestes responsáveis, no caso os pais, um baixíssimo nível de ansiedade, uma valorização crescente da educação em si, um respeito pelo próximo, o saber esperar e um saber construir, um planejamento para o amanhã. E, na contrapartida, pais excessivamente ansiosos do outro lado, necessidade desenfreada de resolver isto hoje, falta de planejamento e desorganização da rotina.

Obviamente que generalizar não é o correto. Certamente existem pais ansiosos cujos filhos são planejados e calmos, e pais tranquilos com filhos agitados e inquietos. Mas o que a pesquisa chama a atenção é para as probabilidades, ou seja, num cenário no qual a criança tenha o exemplo ou o contraexemplo de determinada coisa, a chance de ela seguir o caminho mostrado e exemplificado será bem grande.

Consumir a bala no momento que se ganha não é errado. É nossa escolha esperar o dia seguinte ou não, desde que assumamos esta postura e esta escolha. Saber os riscos e os ganhos do curto e do longo prazos precisam estar claros para todos nós.

Certamente as crianças da pesquisa não possuem a dimensão do curto e do longo prazos. Mas este comportamento delas trará importantes diagnósticos futuramente.

Aquele que sabe esperar e enxerga valor nisto toma, sempre, as melhores decisões. Está ciente e seguro desta garantia. A espera o fortalece. A espera, para aquele que optou pelo longo prazo, é sua companheira e melhor conselheira. A espera oferece um refúgio para o autoconhecimento. Um dos melhores lugares para o autoconhecimento se apresentar é na espera, nas horas e dias que passam sem respostas. Mas a resposta de amanhã chegará.

Aquele que age pelo impulso e pela triste crença na ausência do amanhã, certamente consumirá o doce hoje, no curto prazo. Não está certo e nem seguro. Não acredita em garantias. A espera o enfraquece. A espera o angustia. O relógio deixa de cumprir o seu papel e passa a requerer paradas frequentes de seus ponteiros, no mesmo lugar.

Saber esperar, de verdade, é uma arte. Uma espera que sustenta, que fortifica, que solidifica.

Abrir mão de prazer pontual para receber outro mais compensador, duradouro e melhor: é esperar com critério. E não a espera pela espera. É uma espera que se desdobra na esperança de que o melhor está a caminho. E está próximo.

Ter esperança é sinônimo de saber esperar. E aquele que sabe esperar, portanto tem esperança, é uma pessoa mais feliz. Feliz porque tem menos necessidades. Menos demandas. Menos requisitos a serem preenchidos.

Saber esperar é ter fluência na vida. É não brigar com ela.

Será que a Lua apressa o pôr-do-sol para que ela possa brilhar logo mais à noite? Será que a semente cobra, da terra, um desenvolver mais rápido?

O curto prazo deve ser acionado para aquilo que é urgente, não, necessariamente, importante. E muitas vezes uma coisa se torna urgente porque deixamos de fazer e de contemplar o importante, o imprescindível.

O longo prazo deve ser acionado para aquilo que é importante, atemporal, para aquilo que verdadeiramente importa. Mas quem se importa com isso?

Abrimos mão de cozinhar o arroz integral porque demora muito. Então comemos o branco, mesmo, que, apesar de não ser tão bom, dá menos trabalho e fica pronto rapidamente.

Corremos contra o tempo para darmos conta de fazermos o planejado para aquele dia. E nem percebemos que, muitas vezes, esta correria é fruto da falta de planejamento de longo prazo.

Falamos ao celular com tamanha destreza; nas redes sociais, nos posicionamos com forte veemência; criamos demandas com facilidades; falamos alto coisas desnecessárias... o celular como um instrumento sem o qual não vivemos.

Vivemos sem caráter e sem educação, mas todos temos um celular! O curto e o longo prazo pedindo redirecionamento. Mas e o tempo para olhar isso?

As redes sociais, a facilidade do post, do like, do repasse sem a preocupação dos danos causados: a tela do computador nos protege. O curto prazo nos esconde em telas que aceitam tudo, sem filtros. Mas o longo prazo, a vida real, não nos esconde. Pelo contrário, nos expõe e nos convida a resolver e a tratar as nossas questões.

O curto prazo que falha, mas que a vaidade esconde. Por interesse.

O longo prazo que acerta, mas que a vaidade também esconde. Por interesse, também.

Queremos fazer depressa para compensar nossa necessidade de entrega. A qualidade não importa muito. A rapidez não cobra qualidade; a qualidade cobra e é implacável.

O curto prazo alimenta nossa sede de aparecer. Aquele que opta pelo curto prazo sempre está presente, sempre está sendo visto. É aquele que está sempre no raso, no supérfluo, na periferia, na marginal. É aquele que sempre opta pelo doce imediato. E, ao amanhecer, ao se dar conta de que poderia ter, agora, três doces e não, apenas um, tenta ludibriar o próximo para dividir o doce com ele e, não conseguindo, busca, por meio da covardia, desmerecer e diminuir os doces ganhos pelo próximo.

Curto prazo. Longo prazo. Escolhas e renúncias. Imediatismo e paciência. Somos tudo isto que luta, diariamente, para se impor e sobressair no nosso mundo de iguais e de desiguais. Importante, pois, nos lembrar de que, diferentemente do público com quem a pesquisa foi realizada, não somos mais crianças para nos escondermos em doces e fazermos de conta que somos inocentes. A inocência e a ingenuidade são atributos que constroem uma personalidade. E aquelas crianças, inocentes e ingênuas, que optaram por seus doces no curto ou no longo prazos, podem se beneficiar do luxo que é o de ser criança. Mas nós, adultos há tempos, sabemos os custos do curto e do longo prazos. Portanto, seja qual for a nossa escolha, que os riscos e os ganhos sejam assumidos de todas as escolhas que fizermos, mesmo que, do outro lado, vejamos o nosso vizinho com mais doces que a gente.

O curto prazo do post em detrimento do longo prazo da reflexão e do respeito.

O curto prazo favorece o fast, o rápido, o urgente, a entrega, o lançamento, a vaidade.

O longo prazo favorece a sensatez, o pensar, a solidez, o caráter.

Curto e longo prazos: dois lados que nos representam, que nos identificam como seres inacabados e imperfeitos. Mas o caminho continua.

Por que optamos pelo curto prazo? Por que optamos pelo longo prazo? Quando soubermos estas respostas e estivermos confortáveis com elas, nossas escolhas terão mais qualidade e sofreremos menos.

O imediatismo que consome nossas horas, que nos induz a escolher o doce para consumi-lo hoje porque não acreditamos que o amanhã chegará. Uma crença na ausência.

São escolhas. São decisões. Não há roteiros e nem respostas prontas, somente perguntas.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de Clarice Lispector, que diz:

“O tempo corre, o tempo é curto; preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna. ”

Que a pressa, portanto, não nos atrase. E que se formos valorizar o curto prazo, que seja, apenas, como instrumento de limpeza do desnecessário, do inútil, do vaidoso e do sem ética, para que o longo prazo possa ter mais espaço em nossas vidas e ser utilizado para o que, de verdade, importa.

E ter esperança nos doces que virão e saboreá-los é um exemplo de se fazer o que, verdadeiramente, importa.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Ouvidos de ouvir

Jesus sempre dizia, aos que acreditavam nele e em suas palavras, que quem tivesse olhos de ver que visse, e ouvidos de ouvir que ouvisse.

Independentemente de nossas crenças religiosas, se as temos ou não, a fala acima de Jesus é conhecida de todos nós. É uma provocação e um convite austero para repensarmos nossos modelos existentes de vida, de crenças, de hábitos, de costumes e, principalmente, de atitudes.

Os ouvidos são para ouvir, mas ouvir o quê?

Os olhos são para enxergar, mas enxergar o quê?

Ou seja, o óbvio que, mais uma vez, está distante de todos nós.

imagem tirada da internet

A preposição “de” em “Ouvidos de ouvir e olhos de ver” faz toda a diferença.  Uma das formas que podemos utilizar a preposição de é quando queremos indicar uso, função, propósito, destinação. Portanto, os ouvidos de ouvir e os olhos de ver indicam que estes mesmos olhos e ouvidos possuem um propósito e uma função. Não estão aqui por acaso. Acreditar que eles apenas ouvem e enxergam é aceitar o raso como um elemento-chave do nosso viver. E sabemos que podemos ir além, fazermos mais e darmos um passo adiante.

Aquele que tem ouvidos de ouvir e olhos de ver são os que vão à frente. Lá longe se distanciam dos demais. Entenderam o recado de forma mais assertiva que outros. São os que utilizam o tempo a seu favor e não contra. São aqueles que, mesmo avançados em sua caminhada, não se esquecem dos que, por escolha, optaram por reduzirem a velocidade de suas marchas. Afinal, as distrações do caminho são tantas, que dá muito trabalho ter ouvidos de ouvir e olhos de ver. Mais fácil será ter os ouvidos e olhos comuns, sem tantas preocupações.

Filtrar e excluir o desnecessário requer sabedoria e coragem. Um caminho ainda trilhado por poucos. Há espaço para mais pessoas. No entanto, é preciso aceitar o convite para este caminhar. É preciso coragem e abertura de sentidos para esta busca. Não se trata de uma tarefa simples. Mas alguém falou para nós que seria?

Ouvidos que apenas ouçam e olhos que apenas vejam: o caminho mais fácil. Curto. Logo ali. Rápido. Pouco tempo para chegar. Que bom, porque assim não perderemos a novela.

Ouvidos de ouvir e olhos de ver: o caminho mais árduo, duro, cansativo. E muitas vezes, solitário. Caminho que precisa de muitos passos para ser concluído. Muito tempo para chegar. Sustentável. Mas nele não há espaço para o acompanhar de cada capítulo da novela, comodamente do sofá da sala, sem envolvimento, sem preocupações. Talvez a única preocupação seja o desligar da televisão quando o capítulo, daquele dia, estiver terminado.

Nossos ouvidos e nossos olhos são, em sua maioria, seletivos. Ouvimos o que nos é cômodo e o que nos coloca, confortavelmente, naquele mesmo sofá para assistirmos à novela. Alguém nos colocou neste lugar de destaque, e é isto o que importa. Se o que ouvimos é falso ou não, pouco adianta. Afinal, a novela já vai começar e não temos muito tempo para buscarmos esta informação. E os nossos olhos também são seletivos. Enxergamos somente aquilo que continuará a alimentar e a sustentar nossa estada no sofá. Enquanto o nosso lugar estiver assegurado, vamos fazendo vistas grossas para o restante.

Faz muita diferença sabermos quem se beneficia com nossa estada no sofá. Com os nossos ouvidos e vista falhos. Mas quem está preocupado com isto? Os que estão, já podem ser vistos dobrando a esquina, lá, bem lá na frente.

Precisamos de confiança, coragem e audácia para rejeitarmos certas coisas na vida. Rejeitarmos ouvidos e vistas medíocres poderia ser o nosso primeiro passo. Mas quem começa?

A provocação de Jesus é atemporal. Cabe muito, portanto, para uma atualidade que insiste em perpetuar alguns modelos falidos e insustentáveis. Uma provocação atual para um mundo que, infelizmente, caminha a passos lentos por escolha própria. A velocidade não tem sido nossa melhor companheira. Pelos menos, não para isto.

Precificamos o que não podemos. Não insistimos na busca por sermos melhores.

É preciso acreditar na nossa insistência. Na nossa insistência de querermos ser bons. Esta insistência existe. Mas está perdida no meio de tantos comerciais que passam durante a novela. Por não temos olhos de ver a outros canais?

Vamos nos desdobrando em diversos, muitas vezes, sem sentido. Um diverso que não constrói, que demora, que insiste no retroceder, no nosso marasmo. Um retrocesso parado na fila dupla que atrapalha o outro, mas que resolve o seu problema.

Vamos nos descobrindo no fazer. Mas é preciso começar. Se não, como descobri-lo?

O desdobramento que descobre o fazer: pensemos neste arco como uma ferramenta para alcançarmos aquele que vai dobrando a esquina. Este nosso arco nos levará até ele.

É rever os nossos padrões de certezas para que possamos ter ouvidos de ouvir o que precisa, não o que queremos, apenas. Escolher ter ouvidos de ouvir e olhos de ver nos trará vazios, mas que nos servirão para nos reconstituir.

A nossa vaidade se alimenta dos olhos e dos ouvidos rasos. O nosso orgulho também. Beneficiamo-nos com os nossos olhos e ouvidos medianos. O pensar custa e dá trabalho. Trabalhar nossos ouvidos e aguçar a nossa visão nos afastarão dos confetes que nos são jogados por pessoas que estão à espreita da nossa queda, do nosso escorregar nas pequenas cascas de bananas. São invisíveis, mas estão lá. Prontas.

Os confetes não passarão por crise de vendas e de abastecimento num mundo que valoriza o supérfluo, a aparência, a vaidade e o eu exacerbado em detrimento do outro. Avançamos, sim. O nosso passado nos confirma isto. Mas acho que temos problemas na velocidade.

Quando teimamos em ter ouvidos e olhos rasos, são as vagas certezas que temos, que utilizamos. Por que não fazemos melhores escolhas? Esta velocidade lenta é uma opção. Para quê tantas marchas se mal sabemos utilizar a primeira?

Ansiamos pelo tratamento imediato e não pelo entendimento, pela compreensão e pela aceitação da dor. Tomar um comprimido é mais fácil e muito mais rápido.

Conhecer-se é um processo árduo e sofrido. E somente com ouvidos de ouvir e olhos de ver conseguiremos dar os passos necessários. Sem diagnósticos apressados de coisas inexistentes e de coisas inventadas.

Aquele que tem ouvidos de ouvir e olhos de ver é o desprovido de disfarces sociais e internos, consciente da sua imaturidade, desapegado da necessidade neurótica do poder, do estatus e do controle.

Quando os nossos ouvidos ouvem, de verdade, entramos em contato com as nossas fragilidades e com a nossa imaturidade. E para tanto, será necessário questionar os nossos graus de certezas. Caso contrário, não conseguiremos ouvi-las.

Penso que somente teremos ouvidos de ouvir e olhos de ver, de verdade, quando passarmos, várias vezes, pelo mesmo lugar. E passar várias vezes pelo mesmo lugar significa caminhar por dentro da gente por diversas vezes. Um caminhar até então desconhecido e pouquíssimo explorado por muitos de nós. Infelizmente.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com uma frase de Jean de la Bruyere, ensaísta francês do século XVII, que diz:

“A demasiada atenção que se emprega em observar os defeitos dos outros, faz que se morra sem ter tido tempo de conhecer os próprios. ”

Que sejamos amigos do tempo para que ele nos ensine como utilizá-lo com sabedoria. E, assim, possamos nos conhecer. Nossos ouvidos e nossos olhos, certamente, mudarão de patamar. E nossas esquinas serão mais frequentes em nossas vidas.