Trabalhei numa empresa que tinha,
como um dos valores, ser ágil e descomplicada.
Com algumas e raras exceções,
esta atitude simplesmente não acontecia por um motivo bem simples: apesar de este
valor estar, pomposamente, descrito na cartilha interna, não havia mentalidade
ágil e descomplicada. Nem por parte das pessoas e nem por parte dos processos.
E sem a mentalidade, a atitude não acontece. Simples assim.
É preciso dizer que valor, muitas
vezes, é uma aspiração, ou seja, estamos em busca disto, mas ainda não somos
isto. Portanto, vamos errar muito até acertarmos e encontrarmos o caminho. Mas
o que importa é que estamos na busca, na consciência de que algo é preciso
mudar. As mangas, aqui, já foram arregaçadas. Começamos o caminho, mesmo que
por meio de tropeços, desencontros e erros. O problema começa, porém, quando
não se tem a mentalidade pronta para esta transformação, seja por vaidade, por
egoísmo, por descuido, negligência, ignorância, ou, simplesmente, porque não se
quer ter este trabalho de transformação.
Como não queremos transformar e
fazer o que precisa ser feito, precisamos arrumar uma forma de fazer, só que de
mentira, só para nos enganar e enganar o outro. Isto explica muitas placas nas
paredes das empresas com belos parágrafos explícitos preenchidos com os valores
os quais, nem de longe, são praticados. As placas, os valores, a missão e a
visão sem atitude e mudança, de verdade, de mentalidade, são meros objetos de
decoração que, aos olhos dos mais distraídos, nem serão percebidos. E aos olhos
dos mais observadores serão alvos de questionamentos e de críticas veladas. Uma
pena.
Era isto o que acontecia lá: muito
discurso distanciado da prática. Além de muita política, por parte de muitos,
para fazer de conta que era feito, e muita alienação por parte de tantos outros
para acreditar que estava sendo feito. A alienação é uma forte aliada quando
não se quer ter problemas, além de poupar questionamentos.
A alienação, acima de tudo, não te cobra posicionar-se diante à vida.
O Ágil e o Descomplicado era um
dos valores que menos se conseguia praticar, exatamente por conta da
mentalidade morosa, complicada e vaidosa. Não se aceitava, muitas vezes,
respostas simples. O simples era visto como simplista. Não havia, de verdade,
uma preocupação com a criação de um ambiente de confiança aonde se pudesse,
realmente, dizer o que se pensava e ajudar a construir um espaço de todos.
Complicar discursos e práticas alimentava o ego de muitos ali. Por isto o ágil
e o descomplicado eram ilusórios. Apenas uma longe aspiração. Ser simples
significa abrir mão da vaidade. E isto é impossível para muitos.
Ser simples significa falar uma
língua que todos entendam. Mais que isto: significa que esta língua deva
encurtar caminhos e não dar voltas desnecessárias só para impressionar.
Um belo exemplo disto foi o
pagamento de mais de um milhão de reais para uma consultoria dizer o óbvio.
Coisas que os próprios colaboradores saberiam dizer muito melhor do que
qualquer consultoria. Mas certamente este óbvio
veio pintado de muitas pompas e circunstâncias, o que ajudou a mascarar esta
cifra vergonhosamente cobrada. E que foi paga por quem se deixou enganar com
belos discursos e relatórios complexos que não foram lidos. E quando lidos, no
máximo alguns, eram tão enfadonhos que foram postos de lado. Relatórios cheios
de termos em inglês que para nada serviram. Colunas e mais colunas para
justificar o injustificável. Excelente exemplo de desperdício de recurso, em
todos os sentidos.
Enquanto nos preocuparmos somente
com o ego, coisas mais importantes não terão vez.
Enfim, foram excelentes
experiências que me provaram, mais uma vez, a grande distância que há entre o
que se fala versus o que se pratica.
A historinha abaixo ilustra bem
isto.
Duas pulgas conversando:
- Sabe qual é o nosso problema?
Nós não voamos. Só sabemos saltar. A nossa chance de sobrevivermos, quando
somos percebidas, é zero. É por isto que existem muito mais moscas que pulgas
no mundo: elas voam.
As pulgas decidiram que
aprenderiam a voar. Contrataram a consultoria de uma mosca. Um tempo depois,
começaram a voar. Passado algum tempo...
- Voar não está sendo o
suficiente porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro. Quando ele se coça,
por ser mais veloz que a gente, ficamos sem condição de reação. Temos que fazer
como as abelhas: elas sugam e levantam voo rapidamente. Contrataram, então, a
consultoria de uma abelha, com quem aprenderam a arte do “chega-suga-voa”.
Funcionou...por um tempo...
- Nossa bolsa para armazenar
sangue é muito pequena, o que nos obriga a sugar por muito tempo. Escapar do
cachorro a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando adequadamente.
Temos que aprender, com os pernilongos, como eles conseguem se alimentar tão
rápido. E contrataram a consultoria de um pernilongo que ensinou a elas a arte
de incrementar o tamanho do abdômen.
As duas pulgas ficaram felizes,
mas por poucos minutos. Como tinham ficado muito grandes, sua aproximação era
facilmente percebida pelo cachorro. E elas começaram a ser espantadas com
frequência.
Foi então que encontraram uma
saltitante pulguinha dos velhos tempos:
- Ué, o que aconteceu com vocês? Estão
enormes!
- Pois é, agora somos pulgas
adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos ao invés de saltar, picamos
rapidamente e armazenamos muito mais alimento.
- E por que estão com estas caras
de subnutridas?
- Isto é temporário. Estamos
fazendo consultoria com um morcego, que vai nos ensinar a técnica do radar. E
você, como está?
- Vou bem, obrigada. Forte e
sacudida.
Era verdade. A pulguinha estava
viçosa e bem alimentada. Mas as duas pulgonas não quiseram concordar por puro
orgulho.
- Mas você não está preocupada
com o futuro? Não pensou em uma consultoria?
- Ah, não senti necessidade. Sou
amiga da lesma, que me deu ótimas dicas sobre meus problemas.
- Ah, mas o que a lesma tem a ver
com as pulgas?
- Tudo. Eu tinha o mesmo problema
que vocês. Mas ao invés de dizer a ela o que eu queria, deixei que ela avaliasse
bem a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela ficou ali, três dias,
quietinha, só observando o cachorro, tomando notas e pensando. E então a lesma
me deu o melhor diagnóstico que recebi na vida. Ela me disse:
“Você não precisa fazer nada radical
para ser mais eficiente. Uma grande mudança, às vezes, é apenas uma simples
questão de reposicionamento e de atenção ao seu redor. ”
- E isso quer dizer o quê,
perguntaram as pulgonas?
- Que eu deveria me sentar no cocuruto
do cachorro. Lá é o único lugar que o cachorro não consegue alcançar com a pata...
Pois é, as lesmas, excluindo-se o
sentido pejorativo que receberam injustamente (lentidão, lerdeza), raramente
são ouvidas numa organização por terem saídas e soluções simples demais. Mas
que resolvem e que funcionam.
A nossa vaidade, muitas vezes,
encobre a beleza de uma resposta simples e de um caminho mais curto, porém
eficiente. Isto ainda nos alimenta, infelizmente. E enquanto ainda estivermos
nos servindo deste tipo de alimento, vamos precisar trilhar longos caminhos
para lá na frente descobrirmos, cansados, que a rota mais simples sempre esteve
ao nosso lado, mas que não tivemos a coragem e a humildade de deixá-la se
manifestar.