domingo, 29 de janeiro de 2017

Nossos penhascos diários

imagem tirada da internet

Um comentarista esportivo, ao se referir a um comportamento de um atleta, disse a palavra medíocre. Fiquei com esta palavra passeando na minha cabeça durante a semana, e resolvi escrever sobre ela.

De origem latina, mediocris, tinha o significado inicial do que estava no meio, na média, mediano. Significava, também, o que estava no meio de duas coisas. Aquele que ligava uma coisa à outra. E o termo ocris, uma antiga palavra que significava penhasco ou montanha.  Portanto, mediocris era, simplesmente, aquele que estava no meio da montanha, do penhasco, da rocha. Aquele que estava no meio do caminho.

Mais tarde o termo evoluiu para medíocre, na língua portuguesa, como grafada até hoje.

Por conta da evolução (ou involução?) da nossa história, muitas palavras perderam o significado inicial no longo caminho que percorreram até aqui. E a palavra medíocre faz parte deste seleto grupo de palavras que perdeu o seu significado inicial por conta da nossa atuação.

Aonde a ação do homem chega, somente a incerteza será a nossa certeza.

Se antigamente ser medíocre não era ofensivo, hoje, se somos chamados disto ou se chamamos alguém desta forma, nos sentiremos ofendidos e ofenderemos. Certamente. O sentido da palavra mudou e o que era suficiente num passado, não mais o é de algum tempo para cá. Se antes ser medíocre apenas era estar no meio dos nossos penhascos, com direito a nos sentir completos por conta disto, hoje isto não basta mais. É preciso subir cada vez mais em nosso penhasco para que a mediocridade não seja impressa em nós, como um rótulo imposto pela sociedade ou, até mesmo, por nós.

Obviamente, subir os nossos penhascos e sairmos do lugar comum, do lugar aonde está a maioria, é recompensador desde que haja sentido na caminhada e rota para esta escalada. Caso contrário, será a subida pela subida. A ida a um lugar que não foi desejado por nós.

Mesmo sabendo que o sentido original da palavra mediocridade não carrega o pejorativo que há hoje, não tem jeito: o “novo” sentido dado a ela veio para ficar e, claramente, não queremos estar na categoria dos medíocres.

A mediocridade, no sentido atual, é uma inimiga silenciosa e astuta. Ela parte, essencialmente, da forte crença de que não é possível fazer, e que, portanto, não vale a pena insistir. Este é o caminho, o trajeto da mediocridade como a conhecemos hoje. Mas nem sempre é fácil reconhecê-la. Ela está arraigada na ausência do querer. A vontade é nula. A existência é só mera coincidência do Universo, para o medíocre.

A bravura, a coragem e a intolerância ao pequeno, sem menosprezá-lo, é, definitivamente, uma linguagem que a mediocridade não entende.

O escritor Paulo Coelho traz um texto que bem exemplifica o sentido da mediocridade “atual”:

Só os medíocres agradam a todos

Quando você começa a fazer alguma coisa, sempre tem alguém torcendo contra. Se você consegue ultrapassar as primeiras dificuldades, a “torcida contra” aumenta.

É preciso saber aproveitar isso. Não adianta querer agradar a todo mundo. Só os medíocres conseguem isso e, mesmo assim, à custa de muito sacrifício pessoal.

Tampouco adianta ficar ressentido ou odiar quem não o ama. Convença-se que isso faz parte do trabalho. Use a energia da “torcida contra” para adestrar a sua vontade, para ser mais profundo e mais sério no que está fazendo. Aproveite.

Entretanto, se este tipo de torcida afastar você do seu caminho, é porque este não era o seu caminho. Se fosse, só mesmo a mão de Deus poderia ter feito alguma coisa contra.

Bela reflexão. O medíocre de hoje é diferente do medíocre de ontem, como disse Max Gehringer. Portanto, com o medíocre do passado, mesmo que tenha sido a gente mesmo, não havia com o que se preocupar. Mas com o medíocre de hoje, principalmente se for a gente mesmo, este sim é preciso cautela e muito cuidado. O silêncio dele é assustador, imperceptível. E é exatamente esta a intenção: fazer que a gente não o perceba ali.

O medíocre de hoje é aquele que torce pelo seu insucesso. Desta forma, o dele não ficará tão evidente. Ele terá com quem discutir os infortúnios da “falta de sorte”. E quando você buscar outros caminhos para atingir o seu objetivo, o medíocre, de plantão, estará lá firme, te desencorajando. Como seu amigo, ele acredita que assim te ajudará a poupar mais dores.

Ele se compraz da sua infelicidade porque ele não é feliz. Esta é a linguagem dele.

O medíocre de hoje possui a régua muito abaixo do limite do aceitável. É aquela pessoa que não se esforça pelo simples fato de não enxergar valor no esforço. E isto pode ser consciente ou inconsciente. E quando você se esforça, mesmo com poucas chances de acerto, você parece ridículo para ele. Um ser à parte. Uma pessoa que incomoda. Uma pessoa que obriga, sem perceber, o medíocre a sair do lugar comum porque você demonstra que há outras possibilidades e formas de ver a vida. Por isto, ele tenta, desesperadamente, te desanimar na esperança de que você deixe as coisas como estão.

Ser medíocre não é uma escolha. É uma condição. Para sair dela, o autoconhecimento e o amadurecimento são caminhos transformadores. Mas o caminho mais rápido e eficiente é quando a dor, pelos prejuízos causados pela mediocridade, começa a ser sentida por quem a pratica.

O medíocre de hoje é sempre aquele que tentará puxar você para baixo, para o nível da régua onde ele está. Ele está cansado de sonhar e de acreditar na caminhada. Ele se cansou de lutar. E o mais crítico: ele não possui lutas a serem conquistadas. E todo medíocre gosta de uma companhia. Por isto é preciso tomar cuidado.

Fazer o melhor que podemos, sempre, mesmo que longe da perfeição, é abrirmos mão da mediocridade.

Às vezes somos exigidos, pela vida, a buscarmos opções de outras rotas para a realização de nossos sonhos. Mas somente a vida tem este direito de nos desviar, temporariamente, deles. Ela certamente nos desviou para nos fortalecer. Mais adiante ela tratará de nos colocar no caminho, de novo, em busca dos mesmos sonhos. O medíocre não tem este direito. Mas ele acha que tem. Por isto, todo o cuidado com ele é pouco.

O medíocre mina as nossas forças. Ele busca nos desestabilizar. Sentimo-nos enfraquecidos em nossos desejos, quando damos ouvidos a ele.

A submissão é a linguagem do medíocre. O pensar e o agir são dispensáveis num mundo em que o pensar e o agir são indispensáveis.

Definitivamente o medíocre de hoje é incompatível. Uma pessoa perdida que busca parceria. O questionamento, para ele, é irrelevante. É uma pessoa que segue o caminho trilhado, valoriza a conveniência e não a competência. Os interesses do outro, mesmo que inoportunos, são a base do fazer do medíocre. Ele se contenta com a escada pronta, não sente prazer em construí-la. A construção não faz parte do dicionário do medíocre.

Quero encerrar este texto, mas não a reflexão, com um pensamento de José Ingenieros, escritor, médico, professor que diz:

“O homem medíocre é sinônimo de homem domesticado, se alinhando com exatidão às filas do convencionalismo social. A opinião dos outros é o que importa, são os escravos das sombras, vivem para o fantasma que projetam na opinião de seus similares. Porque pensam sempre com a cabeça social e não com a própria, são a escora mais firme de todos os preconceitos políticos, religiosos, morais e sociais. Associa-se aos milhares para oprimir os que não comungam com a sua rotina. ”

Este pensamento foi dito em 1913, pelo escritor. Mas parece que ele acabou de escrevê-lo...

Que sejamos dignos da subida em nossos penhascos. Firmes e justos com o nosso propósito, com o nosso sentido. E que os medíocres do caminho apenas nos sirvam para fortalecer as cordas que apoiarão a nossa subida. E se cansarmos e quisermos parar no meio de nossa caminhada para descansarmos, que esta decisão seja nossa. Apenas nossa.

Boa caminhada a todos nós.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

De verdade, Feliz Ano Novo

imagem tirada da internet

Um ano se foi. O outro chegou. Que a gente o receba de braços abertos. Porque braços fechados também recebem, mas que este não seja o nosso caso.

Para que de verdade seja um Feliz Ano é preciso vontade e disposição. Apesar de difícil, está ao alcance de todos nós.

Para muitos, o ano de 2016 passou muito depressa. Somente o depressa não expressa. Mas o muito junto do depressa expressa o real sentimento que ficou sobre 2016, para muitos. Prefiro acreditar que a pressa na qual vivemos é o que fez de 2016 um ano corrido. Uma pressa construída por nós, não pelo ano que se foi. E se não mudarmos esta pressa, que alguém um dia nos disse ser necessária e que, infelizmente acreditamos, o próximo ano, 2017, passará rápido também. Tudo é uma questão de escolha.

O tempo passa normalmente. Mas nós insistimos em apressá-lo. Por isto esta sensação.

Outros se despediram de 2016 com alívio. Afinal, “o ano não foi bom, disseram”. Não é justo responsabilizá-lo por nossas falhas e culpas. Ele nos ofereceu 365 oportunidades de acertarmos. E se assim não se fez, injusto seria culpá-lo.

Independentemente do motivo que nos fez querer que o ano se encerrasse ou não, temos, novamente, 365 novas chances de fazer o que é preciso, de parar de fazer algumas coisas e de continuar a fazer tantas outras. Que possamos sempre esperar o melhor de todo o ano que começa, mas que também, como disse a Mafalda, tenhamos a humildade de entender que o ano também espera o melhor de nós. E qual é o melhor de nós? Somente a gente sabe, mais ninguém. Que possamos, então, colocar tudo isto em prática.

O ano novo, de verdade, é a todo o momento. Não podemos esperar que dezembro e janeiro resolvam todas as nossas questões.

Viver, de verdade, um ano novo é vivê-lo com responsabilidade, sem pressa. Não ter pressa não significa que não estamos fazendo, que não estamos construindo. A construção se dá na calma, na paciência e na contemplação. Mas ter pressa significa passar sem objetividade pelas coisas, sem conteúdo, superficialmente.

Aquele que tem tempo para tudo é quem constrói e realiza. Aquele que corre o tempo todo nada constrói. Apenas fica de olho no relógio.

Carlos Drummond de Andrade, no seu conhecidíssimo poema Receita de Ano Novo, diz:

“Para você ganhar belíssimo Ano Novo...não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, ...

Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-la na gaveta...

...nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de janeiro as coisas mudem...

Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente.  É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre. ”

Algumas passagens deste belo poema que destaquei mostram o quão complexa e árdua é a tarefa de construir um ano novo de verdade.

Do que adianta fazer lista de boas intenções e arquivá-la na gaveta, como ele diz? Esta é uma das mais belas reflexões, na minha opinião. Além do encerramento que, lindamente, ele diz que para que o ano novo seja, verdadeiramente, novo, vamos ter de merecê-lo porque, antes de tudo, o ano novo cochila dentro de cada um de nós.

É preciso, portanto, irmos além dos cumprimentos da meia-noite. Há muito o que fazer.

Apesar de os bocejos, um tempo após os cumprimentos, indicarem que está na hora de retirar os pratos da mesa, sabemos que há muito o que fazer.

Quando entendermos que a vida é uma via de mão dupla, que ela dá, mas cobra, e que o trabalho precede o resultado, aí sim, iniciaremos um ano novo.

Que possamos entender que paradigmas existem para serem questionados.

Que possamos pensar melhor. Desta forma, não compraremos gatos por lebres.

Que sejamos impedidos, por nós mesmos, de burocratizarmos as nossas emoções para que elas possam ser sentidas.

Que sejamos autônomos para que possamos, assim, questionarmos as muitas bases hipócritas nas quais nos apoiamos para defendermos o indefensável.

Que aprendamos a não atrapalhar. Assim ajudaremos e muito.

Que sejamos representativos para nós mesmos.

Que a gente não reclame da cobrança se, de verdade, tivemos mais chances e condições.

Que a nossa voz baixa prevaleça em 2017, para que aquele que realmente precisar falar tenha vez e seja ouvido.

Que a palavra renúncia faça mais parte do nosso dia a dia.

Que o palco não seja a nossa única aspiração. Que assistir, muitas vezes, ao espetáculo da vida, da plateia, também nos proporcionará alegrias e realizações.

Que nossas conquistas sejam mais morais do que materiais.

Que o grito ceda lugar à paz.

Que a gente se canse de guerrear.

Que a crueldade comece, de verdade, a nos incomodar. E que o “fazer o quê?” não faça mais parte da nossa fala.

Que a violência passe a ser compreendida como a voz dos incompetentes.

Que a gente não acredite em todos os elogios. E também nem em todas as críticas.

Que sejamos justos com o tempo. Ele sempre comparece. Nós é que insistimos em administrá-lo mal. E depois dizemos que não temos tempo.

Que o nosso tempo também sirva para ouvir a história do outro. Quem sabe, assim, a gente pare de falar somente da gente?

Que a gente se esforce para se lembrar de que criticar é, muitas vezes, destruir.

Que o ano seja de construção forte e resistente, com tijolos que, de verdade, existam.

Que nossas atenções estejam voltadas para o bom combate, como dizia o apóstolo São Paulo.

Que a gente abra mão do ridículo. Pararmos de fingir que estamos dormindo para não cedermos o banco, no metrô, servirá de começo.

Que possamos colocar nossos sonhos nas primeiras prateleiras das nossas vidas. Somente desta forma eles terão espaço para concretização.

Que possamos nos centrar em nós para sabermos o básico, pelo menos.

Que possamos reconhecer as nossas hipocrisias disfarçadas de boas intenções.

Ao ano de 2016, somente nos resta agradecer pela paciência, tolerância e compreensão. Demos muito trabalho a ele. Ao ano de 2017, obrigada por confiar na gente e nos dar mais uma chance para acertarmos. Vamos nos esforçar para não o decepcionar.

Afinal, como diz, novamente, Carlos Drummond de Andrade:

“Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor...

O melhor vai se instalar em nossa vida. Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura. ”

Que tenhamos uma larga visão sempre sobre o melhor para que ele se sinta confortável de se aproximar da gente e, mais que isto, se instalar em nós, como disse o poeta.

Um ano novo, de verdade, a todos!