Na semana passada, o recesso
parlamentar teve início. Durante o ano, são 50 dias de recesso: de 22 de
dezembro a dois de fevereiro, e de 17 de julho a primeiro de agosto. Está na
Constituição Federal. É da lei. É um
direito. É meu direito.
Mas porque é meu direito, isso me dá o direito de exercê-lo e de não
pensar nas consequências?
Fiquei com esta pergunta na cabeça.
Não há respostas prontas, como sempre. Afinal, se é meu direito, qual é o problema em exercê-lo? Por que eu não deveria
exercê-lo? Por que não o fazer valer ao meu favor? Ao mesmo tempo, um direito
que me favoreça, mas que impacta, negativamente, o outro, é, de verdade, um
direito? Do ponto de vista legal, sim, é um direito, mesmo que isto acarrete
impactos negativos para o outro. Mas do ponto de vista ético e moral, qual é o
meu direito de exercer o meu direito em detrimento do próximo? Só porque está
na lei? Mas o que pensamos sobre isto? Por que acatamos respostas prontas como
esta: “é porque está na lei? ”
Geralmente quando as respostas
que se têm não são suficientes para as perguntas que se faz, ficamos
mergulhados na superfície. Porém, já poderíamos nadar em outros mares e
aprofundar outras questões, e aprender velhas coisas que já deveríamos ter
aprendido. Ainda discutimos as mesmas coisas porque isto nos permite navegar
nos mesmos mares. É confortável e não exige do nosso pensar e do nosso agir.
Acomodar-se com “é porque está na
lei” é abrir mão da nossa capacidade de pensar e de repensar nossa estada aqui.
É abrir mão da possibilidade de fazer a diferença na vida do outro. Quando
repensamos nossas atitudes, quando abrimos mão de “um direito” porque este
mesmo direito prejudicaria o próximo, abrimos espaço para navegar em outros
mares e subimos um degrau na nossa jornada. É uma escolha.
Há tempos, na vida, que ficarmos
mergulhados na superfície é conveniente como desculpa para não precisarmos nos
investigar e aprender o novo. Este mesmo novo que é velho aos olhos dos que vão
à frente de nós.
O recesso parlamentar é um
direito. Os políticos não estão gozando de férias irregularmente. Mas é moral e
ético interromperem os trabalhos após inúmeros problemas criados, inclusive,
por eles próprios, a todos nós? Temos de fazer valer, sim, os nossos direitos,
mas desde que estes mesmos direitos não interfiram no direito do próximo.
Exceto isto, não são direitos, mas sim, egoísmos disfarçados.
Um recesso com vergonha.
Envergonhado e impotente.
O País está com inúmeros
problemas de ordem moral e milhares de pessoas sofrem com estas consequências.
Mas a lei permite o recesso e nos escondemos na lei para usufruí-lo.
Obviamente que não serão estes
quinze dias que resolverão todos os problemas do País. No entanto, se cada um
de nós abrir mão destes nossos direitos
questionáveis, estes quinze dias se tornarão milhares de dias eficientes. Direitos
são muito bem-vindos e devem ser usufruídos. Mas me refiro, neste texto,
exclusivamente aos direitos questionáveis, aqueles direitos que, se exercidos,
prejudicarão e muito o próximo. A probabilidade de isto acontecer é bem
elevada. Estes direitos devem ser repensados por nós e, se necessário for,
abrirmos mão deles sem que, por isso, tenhamos de fazer propagandas a respeito a
nosso favor. Marketing pessoal não
foi uma boa criação nossa. Isto só nos levou ao auge da nossa vaidade desmedida
e injustificada.
O individualismo,
definitivamente, não deu certo. Mas é preciso praticarmos esta verdade. O mundo
está cheio de teorias e carente de práticas. Caminharmos para a coletividade,
sem hipocrisias, é imprescindível. Não esta coletividade disfarçada e não
internalizada, mas uma coletividade verdadeira, cuja capacidade de questionar
os seus próprios direitos construirá uma diferença real na sociedade na qual
vivemos todos.
Paulo de Tarso, uma das grandes
personalidades da nossa História e um dos responsáveis pela disseminação dos
ensinamentos de Jesus, aos povos antigos, dizia: “Tudo me é permitido, mas nem
tudo me convém”. Portanto, é preciso questionar e elevar o nosso patamar de
pensamento e de construção. A consciência como base de nossas decisões e não
apenas a lei.
Nem tudo aquilo que é meu por direito é meu por ética e moral.
O professor que abona faltas
injustificáveis porque tem direito a
cinco faltas abonadas por ano. E os alunos, deste mesmo professor, muitas vezes
têm aulas deficientes porque o professor substituto não foi preparado
eficientemente para tal. “Ah, mas isso não é culpa do professor”, alguns
poderão dizer. Realmente não é. Mas ficar neste discurso é o mesmo que querer
justificar o mau atendimento porque se ganha mal. A mediocridade pela
mediocridade. O seis pela meia dúzia. Enquanto um de nós não der o primeiro
passo, andaremos ainda em círculos por muito tempo.
Abrir mão das faltas abonadas é
uma forma de fazer a diferença, de verdade, na vida dos alunos, e de construir,
silenciosamente, um mundo melhor. Abrir mão de direitos questionáveis é receber
muitos direitos verdadeiros, lá na frente.
O recesso dos parlamentares é
fruto do excesso de más condutas. E o recesso é uma delas. Como não se
envergonhar de interromper os trabalhos simplesmente porque está na lei? Deixar
coisas para agosto porque o recesso chegou. O recesso é um excesso que inibe o
acesso de muitos. Mas está na lei...
Uma superficialidade de pensamentos. Uma ausência de responsabilidade
devido à farta liberdade e o não saber o que fazer com ela.
O recesso é bem-vindo desde que
possamos desfrutá-lo. Mas não é o caso. Deturpamos o conceito do descanso
porque não há o respeito àquele que sofre as consequências desta deturpação. Eles
param aquilo que nem começaram. Eles param quando todos pedem ação.
Somos seres gregários por natureza, agregamos por conveniência e
segregamos por escolha.
O recesso que excede. O recesso do
excesso. O recesso do abuso.
O abono do abandono. O abono do
descaso. Abono as faltas porque o meu
direito está em primeiro lugar. Dão-me o direito ao abono? Abro mão dele.
Simples assim. E se isto nos custar sermos chamados demagogos, o problema não
será nosso, mas sim daquele que carrega a demagogia em sua bagagem de decisões
para a vida.
Aquele colaborador que quer ser demitido
para receber seus direitos,
simplesmente, reduz o ritmo, esquece, de propósito, prazos, prejudicando,
assim, toda a equipe. Realiza de forma ineficiente o trabalho para produzir
argumentos negativos contra ele próprio e assim, conseguir ser mandado embora.
“Quero ser mandado embora para não perder os meus direitos. ” De quais direitos
esta pessoa fala?
Infelizmente ainda somos movidos
pelo egoísmo e pela triste necessidade de termos nossas falências existenciais
atendidas. Por isso privilegiamos os nossos direitos em detrimento do próximo,
mesmo que os nossos direitos os prejudiquem.
Penso que enquanto tivermos
mergulhados nesta ausência de pensar devido à preguiça do construir, ainda
faremos valer, por muito tempo, nossos direitos questionáveis. Afinal de
contas, estamos em julho, e o recesso está aí.
As facilidades que me isentam das responsabilidades. O supérfluo
dividindo espaço com o inerente, com o relevante.
Quero encerrar este texto, mas não
a reflexão, com uma provocação de François
de La Rochefoucauld, escritor francês, que diz:
“A conveniência é a menor de
todas as leis, mas é a mais seguida. ”
Ainda privilegiamos o pequeno, o
que nos dá visibilidade, o que alimenta as nossas vaidades e o que atende as
nossas infundadas necessidades. A busca pelo coletivo verdadeiro como
fundamento e razão para as nossas escolhas deve ser a nossa direção e a nossa
decisão de vida. Os nossos direitos devem ser cumpridos, mas os reais e não os
questionáveis e duvidosos que possuem apenas uma via de acesso: ao da satisfação
individual. O acesso aos nossos verdadeiros direitos deve nos permitir passar,
assim como também o próximo. E quando conseguirmos atingir este ponto, teremos
deixado de seguir a conveniência por absoluta falta de sentido e por termos,
finalmente, enxergado o tamanho dela: irrelevante e pequena.