Num dia desses, saindo de um
compromisso e voltando para a minha casa, tomei um ônibus e, como ele estava
cheio na parte de trás, resolvi me sentar na frente, em um dos bancos
disponíveis. Desta forma eu não precisaria ficar em pé, desconfortável.
Sentei-me tranquilamente no
banco, enquanto o motorista do ônibus aguardava a subida de todos para que ele pudesse
seguir.
Até aí, tudo bem, cheguei até a
abrir o meu livro para ler algumas páginas. Mas foi só um pensamento rápido: o
motorista deu uma arrancada naquele ônibus, que até o mais hábil dos leitores
ficaria impossibilitado de ler sequer um parágrafo. Mas enfim...
Fechei o livro e me segurei ali,
torcendo para chegar logo o meu ponto. Tomar ônibus, hoje, é uma aventura não
muito agradável.
Após uns cinco minutos mais ou
menos, numa rua bastante movimentada e com muitos carros, o motorista começou a
ficar impaciente e demonstrava muita pressa. E começou a frear bruscamente em relação
ao carro da frente, fazendo uma pressão para que ele saísse e desse a passagem.
Lembrando que era uma rua comum, sem o corredor dos ônibus, ou seja, o
motorista da frente não estava infringindo regras, estava dirigindo mais devagar
porque o fluxo não permitia. Mas o difícil era aquele motorista entender isto.
De repente, o mesmo carro da
frente que o motorista estava pressionando entrou numa garagem de uma loja sem
dar a bendita seta...O motorista do ônibus freou bruscamente. Deu para ouvir
até umas pessoas atrás dizendo: “nossa, que horror!” E aí, o motorista buscou seu cúmplice pelo espelho
retrovisor (o cobrador!) e disse: “Só podia ser mulher!” E o cobrador, com um
sorriso que dizia “já sabia”, disse: “Lógico!”
Como se não bastassem os dois
comentários, um passageiro (um senhor dos seus 75 anos) balançou a cabeça e disse:
“É mulher, não é?” E os dois disseram: “É, é, não tem jeito, é mulher, só podia
ser....”
É redundante falar sobre a questão
do preconceito contra a mulher, estereótipos, modelos mentais, etc. Não que eu
seja uma feminista de plantão, mas será que SÓ porque era uma mulher, já estava
condenada a errar?
Para eles, acho que sim.
Levantei-me do banco no qual eu
estava comodamente sentada e fui para trás. Lembrei-me de uma matéria que havia
lido há algum tempo falando justamente sobre as imprudências no trânsito.
Veiculada pela rede Gazeta, logo
no título, lia-se: “Batalhão de Trânsito comprova: mulheres são mais prudentes
no volante”. De acordo com o texto, só no ano de 2013, dos 26.288 acidentes
registrados na cidade de São Paulo, apenas 20,82% foram provocados por
mulheres, o que equivalem a 5.474 colisões.
Para o educador de trânsito Rodrigo
Ramalho, habilidades emocionais femininas, como a de empatia, altruísmo e o
instinto protetor, auxiliam as mulheres no enfrentamento dos grandes desafios
do trânsito atual, desmistificando o preconceito histórico sobre o mal
desempenho das mulheres no trânsito.
E a matéria trazia mais
informações inclusive falando que apesar de as mulheres serem mais cuidadosas e
prudentes ao volante, este cenário pode mudar em função da necessidade de
superação, de as mulheres terem, a todo o momento, de provarem a sua
capacidade. E esta pressão poderá torná-las mais agressivas. O artigo ainda
alertava para a necessidade de manter estas raízes de cautela e de cuidado.
Acho que aquele motorista não
tinha lido ainda esta matéria…. ironias à parte....
O comportamento daquele motorista
me chamou a atenção, basicamente, sob dois aspectos:
- o preconceito: ainda estamos muito
longe de enxergar as pessoas, de sair um pouco do nosso umbigo, ou será que
aquele motorista era algum exemplo de bom condutor para ousar falar de alguém?
Ainda por cima de forma preconceituosa e retrógrada. Ele a desqualificou como
ser humano... “só podia ser mulher”... ou seja, as mulheres estão condenadas a
errarem, na sua triste visão;
– a cegueira: como somos cegos diante os
nossos defeitos! O motorista apontou, sem pensar, o dedo para a mulher mas ele
mesmo dirigia pior! Rotulamos as pessoas! Porque é mulher, porque é pobre, porque
é negro, porque é morador da zona a ou b, porque é estudante de escola pública,
porque é funcionário público, porque é taxista, porque é motoqueiro, porque é mãe
solteira, porque é homossexual. E enquanto isto os nossos defeitos morais ficam
escondidos... Quem somos nós para falarmos dos outros? Acho que nem a gente
sabe.
Fiquei naquele ônibus uns vinte
minutos. E observando a conduta daquele motorista, vi um verdadeiro show de
horrores: freadas bruscas, ultrapassagens perigosas, falta de respeito,
desrespeito à sinalização e mais algumas coisas que não valem a escrita. Mas como ele não é mulher, acho que na cabeça
dele estava tudo bem...
Vi ali uma pessoa vaidosa, cheia
de preconceitos, cega para as suas necessidades.
Mas como não somos perfeitos,
aliás estamos bem longe disto, as pessoas começaram a comentar umas com as
outras todas aquelas barbaridades que o motorista estava fazendo. E aí, ironicamente,
uma mulher disse: “é motorista de ônibus...” e a outra disse “só podia ser....”
Nenhum comentário:
Postar um comentário