domingo, 5 de abril de 2015

Uma história no trem

Numa destas tardes chuvosas, eu tinha um encontro com uma amiga. Combinamos de nos encontrar no Centro Cultural São Paulo. Era uma sexta-feira. Dia de relaxar para muitas pessoas, mas não para aquele rapaz que encontrei.

Enquanto eu aguardava o metrô na plataforma, vi um rapaz bem franzino e baixinho descer a escada correndo (a pressa dele era tanta que não viu a rolante bem ao lado dele....).

Ao mesmo tempo que ele descia correndo também olhava o celular. E ainda carregava uma grande bolsa a tiracolo. Passou como um vendaval por mim e, apressando o passo, seguiu bem lá para frente, em direção ao primeiro vagão.

Até aqui, tudo bem, quem é que não corre para pegar o metrô? Mas o fato é que o metrô não estava lá, nem dava sinais de estar chegando. Qual o motivo de tanta pressa, meu Deus? Pensei. Até mesmo a estação estava vazia...ele poderia ficar em qualquer lugar que quisesse.

Aquele rapaz parecia ausente, longe...com aquela expressão aflita, certamente naquela plataforma de metrô é que ele não estava. A ansiedade faz isto com a gente: estamos sempre no futuro, lá na frente, num lugar que ainda não chegou, que nem mesmo sabemos onde fica.

Estranho observar a ansiedade do outro. Estamos sempre na primeira fila para observar, mas não queremos que apontem o dedo para nós. Queremos observar, mas não queremos ser observados. Queremos falar, mas não queremos que falem de nós. E quando alguém aponta o dedo para nós, negamos. Eu!? Imagina! Negamos com todas as forças. Queremos passar despercebidos pela vida nestes momentos de fúria e de ansiedade. Acho que por isto negamos. A negação é a nossa vigilância constante para não sabermos o que já sabemos. O alívio, tão buscado por nós, só acontecerá quando abrirmos mão desta negação.

Certamente se aquele rapaz tivesse a opção de não ser notado, assim o faria. Ninguém quer ser visto assim, tão exposto, tão frágil. Ele não percebia que era observado. Mas era.

Como em todos os momentos de pressa, os segundos parecem eternos. E com aquele rapaz não era diferente. Ele batia o pé no chão (até aqui só o direito) acreditando que o metrô ouviria o seu chamado e, portanto, se apressaria a chegar. Mas que nada! O metrô também tem suas prioridades. Ele tem muito mais o que fazer do que corresponder as nossas expectativas! Corresponder expectativas? De quem? Queremos ser correspondidos o tempo todo. Queremos ser atendidos o tempo todo. Mas nem sabemos direito o que queremos!

Parece que quanto mais pressa temos, mais longa é a demora. Às vezes, tenho a nítida sensação que a demora e o tempo ficam atrás da porta, só nos observando para ver até aonde aguentamos. Que ironia! E que irritante, também! Até porque a nossa pressa é sempre mais apressada que a do outro. As coisas têm o seu tempo de acontecerem...que muitas vezes não é o nosso tempo. Ou eu espero ou brigo com o tempo. Acho que a primeira opção é a mais razoável. A segunda opção seria brigar com o tempo. Brigar com o tempo? Que audácia a nossa...

Talvez aquele rapaz não se lembrou desta importante lição da vida. Esperar. Muitas vezes ela é gentil em suas lições, já em outras...mas isto é tema para outro texto.

Voltando ao rapaz:

Quando ele chegou à ponta da plataforma, parou repentinamente, como a se dar conta de que o metrô ainda não havia chegado. Era preciso esperar. E que verbo duro este: esperar...principalmente para aquele rapaz. É preciso esperar, esperar, esperar...e respeitar o tempo das coisas.

O rapaz mantinha sua expressão aflita, tensa e ansiosa. A sua pressa precisou esperar porque o trem ainda não estava lá. Sentir ansiedade e angústia é inevitável na vida. Ele não interagia com aquele ambiente, apenas com sua ansiedade e aflição, o que somente piorava as coisas.

E piorou: ao invés de ele continuar a bater um pé, começou a alternar as batidas nos dois pés e a bufar na plataforma.

Algumas pessoas riram dele naquele momento, que triste! Rir da dor alheia. Ele estava sozinho, não dividiu a sua dor com ninguém. Mas alguém riu...e até agora me pergunto do que aquela pessoa ria. Acho que dela mesma, mesmo sem saber.  Rir e culpar os outros traz um falso conforto para nós. Enquanto o problema do outro é aparente, escondo o meu. Mas, a vida ensina... e certamente a vida não tem essa nossa pressa, ela espera por nós.

Enquanto me distraí neste pensar, percebi que a angústia do rapaz só consumia a sua paz. O silêncio dele falava muito alto, nada era preciso dizer. Estava sofrendo. Certamente poucos perceberam isso. Mas o que importa? Estamos todos tão ocupados! Não dá tempo de saber do outro, ainda mais sobre os seus problemas.  Bastam as minhas angústias, disse alguém!

Enfim, fiquei ali só observando aquilo tudo. Será que ele estava atrasado ou adiantado demais para amanhã? Pensei também nos nossos exageros. Estamos tão acostumados a correr, que quando caminhamos, estranhamos, tropeçamos, esquecemos como se anda.

Quem não corre, quem fala que tem tempo, quem está tranquilo se sente mal em dizer, parece que está errado, sente-se um desocupado. Quanto absurdo!

“...vou errando enquanto o tempo me deixar...”, já dizia a música.

Estamos tão tensos do que está por vir que não aproveitamos o momento, aquilo que está acontecendo. Mas, e o tempo pra isto? Não dá...fica pra depois...

Estamos tão ocupados, é tudo tão urgente, tão relevante, tão ultra mega pra ontem, que até nos esquecemos das redundâncias (como as deste texto) que cometemos! Redundâncias na fala, na escrita, no comportamento, no SER. Quantos excessos! Precisamos de tudo isto? De verdade? Que noção de tempo é esta que achamos que o trem está demorando? (O intervalo entre eles é de quanto tempo mesmo? Poucos minutos, às vezes segundos…).

Será que não temos este tempo para aguardarmos o metrô calmamente? Afinal, ele chega tão rápido! Pelo menos em dias de sol e de calmaria...Acho que foi por isto que aquele rapaz estava tenso e angustiado: estava chovendo muito naquele dia! Pois é, acho que era isto mesmo: a chuva e o mau tempo. Quem falou que não dá tempo? Quem disse que não temos tempo? O tempo está aí, aliás sempre esteve. Você procurou por ele atrás da porta?

E enquanto vamos encontrando uma desculpa para dar pra gente mesmo, enquanto vamos nos apoiando no externo, naquilo que eu não preciso explicar, naquilo que se explica por si (a chuva, o sol, o vento, a fila, o trânsito, o tempo...) vamos caminhando sem culpa, afinal o trem chegou, e já não temos mais tempo para pensar e conversar. É preciso embarcar. O caminho muitas vezes não se sabe, mas é preciso embarcar.

O trem chegou. Embarquei no mesmo vagão daquele rapaz para acompanhar um pouco mais sobre aquela história. Ele se sentou, apanhou o seu celular e deu alguns comandos. Alguns instantes depois, guardou-o na grande bolsa que carregava, juntou suas mãos ao colo, e deu um profundo suspiro. Num lampejo de consciência, ele se deu conta de que, naquele momento, o trem tinha mais força e autonomia que ele. Naquele momento, o trem dava as regras, não ele. De nada adiantaria a pressa, a angústia no rosto, o bater de pés no chão. Era preciso esperar. A pressa daquele homem não era a mesma pressa do trem.

Chegou a minha estação: Vergueiro. Desci. Não pude ver o final daquela história. Não pude descobrir o porquê de tanta pressa. Só sei que o trem partiu com aquele desconhecido dentro levando seus anseios para a próxima estação.

Um comentário:

  1. 'A ansiedade faz isto com a gente: estamos sempre no futuro, lá na frente, num lugar que ainda não chegou, que nem mesmo sabemos onde fica.' Tão certo quanto 2+2=4, ou será que mesmo em equação matemática há espaço para dúvidas e falta de tempo? Que preciosidade a sua observação.

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